«Esta vida são dois dias e o Carnaval são três.»

Crónicas 1 março 2022  •  Tempo de Leitura: 3

Este provérbio português explica muito bem o dia que celebramos hoje. Contudo, está a perder-se outra palavra muito mais interessante do ponto de vista cristão: o Entrudo! Este conceito que terá a origem na palavra latina "introitus", significa "entrada" ou "inicio" da Quaresma, um tempo de 40 dias em que os cristãos intensificam a oração, o jejum e a esmola.

 

O Entrudo durava 3 dias, de domingo a terça e onde se tolerava quase tudo, antes de se entrar neste tempo de reflexão e conversão. Ou seja, antes de se voltar para o essencial da vida humana e assim se preparar a celebração da Ressurreição do Senhor, a Páscoa. Escrevi "durava" porque hoje em dia vemos que até o carnaval é mais comercial do que referencial. Nas escolas celebrou-se na última sexta feira e nalgumas cidades ainda se celebrará no primeiro domingo da Quaresma. Tudo isto em prol de uma felicidade muito financeira mas vazia de conteúdo significativo quer individual quer coletivo.

 

Carnaval quer dizer, por unanimidade, um adeus à carne durante a Quaresma, pelo menos nos dois dias de jejum (4ª feira de Cinzas e 6ª feira Santa) e na abstinência das 6ª feiras. Tem as suas raízes e inspira-se em tradições pagãs. Desde as suas origens que é caracterizado por uma vivência desregulada de todos os géneros de prazer. Para além disso, a máscara, o colorido e a festa são o simbolismo da vitória da luz sobre as trevas e da Primavera sobre o Inverno. Com o advento do cristianismo é regulamentado e colocado ao início da Quaresma.

 

É verdade que o cristão também pode e deve viver este tempo como um momento alegre, criativo e positivo. O crente é chamado a ser luz e fermento na vida quotidiana do ser humano. A "incarnação" no dia a dia, não fere a fé. No entanto coloco-me uma ou outra questão: Vivemos a sério o Entrudo/Carnaval ou é mais uma "fachada", uma "máscara"? O lema "É carnaval, ninguém leva a mal", permite-nos viver tudo o que nos apetece ou é apenas mais uma "careta"? Por que razão precisamos de uns dias "oficiais" dedicados à brincadeira generalizada?

 

Nestes dias tem-se a sensação de vivermos uma liberdade absoluta e muito desejada. Somos verdadeiramente livres? No dia a dia, somos livres dentro de certos limites bem definidos. Basta sair de casa para vermos a quantidade de coisas que podemos fazer ou não fazer, de hábitos e de regras... O carnaval dá-nos a verdadeira liberdade? Como a sociedade exige de nós, parece-me que muita da folia carnavalesca faz-nos passar de "modelos a fedelhos". Isto é, como vivemos mascarados no quotidiano porque os outros nos impõem um certo tipo de liberdade e felicidade, no carnaval, passamos para o outro extremo e colocamos outra máscara para ridicularizar esta sociedade em que somos também os protagonistas...

 

Que a Quaresma nos ajude a encontrar a verdadeira liberdade em Jesus Cristo. Esta exige-nos apenas a sermos reais. Pessoas com virtudes e defeitos. Gente que pode ser mais para si e para o outro. Seres solidários e fraternos.

 

Bom carnaval e santa caminhada Quaresmal.

Licenciado em Teologia. Professor de EMRC. Adora fazer Voluntariado.

Subscrever Newsletter

Receba os artigos no seu e-mail