Quando é que o espaço do outro também é meu?

Crónicas 4 maio 2022  •  Tempo de Leitura: 3

Podia arriscar-me a dizer: nunca. Mas isso talvez fosse demasiado exagerado. O espaço do outro pode ser meu se o outro assim quiser ou permitir. Quando o outro não me dá autorização para entrar no seu espaço, na sua “bolha”, então, quando o faço estou a incorrer numa espécie de “invasão”.

 

A verdade é que o respeito pelo espaço alheio é das coisas que mais diz sobre o tipo de pessoas que somos. Se somos, de facto, capazes de compreender que não podemos ser intrusos do que ainda nos está vedado, somos capazes de escolher o caminho da empatia.

 

No entanto, quando optamos por invadir o espaço privado do outro sem autorização prévia, estamos a ser incómodos. A perturbar. A deixar um rasto de desconforto naqueles que se cruzam connosco (sejam pouco ou muito conhecidos).

 

Se estou num lugar público e resolvo olhar fixamente para alguém e se essa pessoa me devolve o olhar, não deverei perceber o sinal de que talvez tenha olhado demasiado? Ou durante demasiado tempo? Que me dará o direito de fitar alguém como se quisesse descobrir-lhe todos os segredos?

 

Se escolho estacionar o meu carro fora das linhas instituídas e, dessa forma, deixar alguém sem um possível lugar, não deverei ter a consciência que essa minha decisão influenciará a rotina de outra pessoa qualquer?

 

Que nos dará o direito de, por exemplo, abraçar alguém que não conhecemos? Tocar o braço dessa pessoa ou apertá-lo? Onde é que moram os nossos limites e os dos outros?

 

Temos o direito que nos é dado. Vamos aprendendo a ler os sinais na cara da outra pessoa, no olhar que nos dá e oferece. Se não tivemos ainda a certeza da confiança do outro, deveremos avançar para um toque físico? Ainda que seja algo politicamente aceite ou correto?

 

Invadir o espaço do outro pode dizer muito sobre nós. Infelizmente, não diz as melhores coisas. Devemos ter o cuidado de perceber que não sabemos que limites enfrentamos quando conhecemos alguém. A pessoa em questão poderá ser fechada e não gostar de “toques”. Poderá ser uma pessoa profundamente meiga e extrovertida apenas quando se sente à vontade e confiante. E poderá ser alguém que se encolhe, qual bicho-de-conta, quando a confiança é antecipada ou forçada.

 

Não podemos ser ensinados a ler as entrelinhas dos outros. Mas podemos aprender essa linguagem, se assim quisermos. Às vezes, aprendemos com o erro de julgar que alguém nos deu a confiança que não nos tem, ainda.

 

No fundo, quando tivermos dúvidas sobre como agir, mais vale ficarmos quietos. Antes a quietude de quem está, ainda, a conhecer do que o ímpeto de quem abusa quando todos os sinais vermelhos estão acesos.

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Marta Arrais

Cronista

Nasceu em 1986. Possui mestrado em ensino de Inglês e Espanhol (FCSH-UNL). É professora. Faz diversas atividades de cariz voluntário com as Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus e com os Irmãos de S. João de Deus (em Portugal, Espanha e, mais recentemente, em Moçambique)

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