Sabias que também te podes zangar?

Crónicas 15 junho 2022  •  Tempo de Leitura: 3

O mundo quer fazer-nos acreditar que só as emoções positivas são válidas. Estar feliz, contente, expressar os ecos de uma vida realizada pessoal e profissionalmente parece ser o que a comunidade global nos pede. Que expressemos o que somos de bom, de honesto, de maravilhoso, de positivo. Somos reféns de uma positividade quase venenosa que se apoderou dos dias e da vida de todos nós. O que queremos é a alegria. A esperança. O acreditar num mundo melhor.

 

No entanto, nem sempre a nossa realidade nos permite estar felizes. Realizados. Plenos. Com vontade de fazer tudo bem feito.

 

Nem sempre nos será possível reagir de forma tranquila ao que nos acontece. Que tipo de pessoas seríamos se assim fosse?

 

Vivemos numa comunidade global que esconde a zanga. Que se envergonha e se encolhe quando alguém fala um bocadinho mais alto. Ai de quem se zanga! De quem reage efusivamente às injustiças ou às debilidades humanas dos que nos rodeiam. Ai de quem sente tudo com muita intensidade. Isso não é válido. Ou aceitável.

 

O que parece ser aceitável é baixar a cabeça. Deve ser por isso que vemos tanta gente “marreca” na rua. Com o peso do que foi acumulado (e nunca zangado) até o corpo se vergou. O saudável parece ser o sorriso a todo o custo. Mesmo que de plástico. Mesmo que mentiroso. Mesmo que provoque o cerrar do maxilar e que nos faça doer a boca, a cara, o corpo, a alma e os dias.

 

Terei de informar, ainda que a muitos nos custe compreender, que também nos podemos zangar. Também podemos bater com a porta (mais ou menos literalmente, claro!). Também podemos não estar bem, não estar felizes e, quem sabe, frustrados com a vida que construímos e nos construiu.

 

O que não podemos é continuar a mentir. A viver numa nuvem de paz quando por dentro também somos guerra. A mostrar mãos abertas quando, por dentro, também somos punhos cerrados que precisam de justificar um grito.

 

Não vamos estar sempre bem. Não será sempre fácil. A zanga também nos ajuda a ver melhor. Quanto mais não seja, ajuda-nos a ver o que não queremos ser. A marca que não queremos deixar nos outros.

 

Enquanto não nos zangarmos e não expressarmos as mágoas que trazemos dentro, vamos continuar a enrolar uma tempestade perfeita dentro daquilo que somos. E quando essa tempestade rebentar, vamos desejar ter-nos zangado quando era tempo disso.

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Marta Arrais

Cronista

Nasceu em 1986. Possui mestrado em ensino de Inglês e Espanhol (FCSH-UNL). É professora. Faz diversas atividades de cariz voluntário com as Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus e com os Irmãos de S. João de Deus (em Portugal, Espanha e, mais recentemente, em Moçambique)

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