Líder silencioso

Crónicas 21 julho 2022  •  Tempo de Leitura: 5
Existem lideranças que são carismáticas. Conseguem com o seu modo de ser levar várias iniciativas para a frente e quando for preciso decidir diante de um impasse, fazem-no. Mas há um outro tipo de liderança menos evidente que possui um efeito inesperado. A silenciosa. A que gera uma liderança colectiva.


Quando era miúdo inventei uma frase que partia de um jogo de palavras. Não sei bem ainda por que razão a inventei. Talvez por ser uma pessoa que falava sempre demais, mas, hoje, esta frase ajuda-me a entender os líderes silenciosos.
 
O sábio quando faz silêncio sabe o que está a dizer.
O pensamento subjacente é o de que a escuta pode ser tão poderosa e sábia quanto a palavra. O silêncio é o espaço onde a introspecção ocorre e amadurece. Mas hoje vê-se ocupado por todas as oportunidades de distracção.


O silêncio esconde a oportunidade de um momento de pausa que evita decisões apressadas e de que nos podemos arrepender mais tarde. Por isso, quando o líder silencioso induz os outros, pela ausência da sua palavra, a um silêncio colectivo, na prática - e sem se dar conta, imagino - leva o grupo a uma pausa introspectiva e de compreensão mais profunda das ideias partilhadas ou daquelas que devemos perder.

 
Há pessoas que precisam de mais tempo para reflectir e pronunciar-se. E o líder silencioso revela, sem pensar nisso, as dificuldades que temos em lidar com o tempo. 


Não há tempo a perder, mas se não se perder tempo, então podemos deitar tudo a perder. Nas decisões repentinas domina o imediato e menos o ruminado. 


A velocidade com que as coisas acontecem actualmente levam-nos a desvalorizar o tempo que precisamos para ir em profundidade nas nossas decisões. 


Lembro-me do modo como J. R. R. Tolkien capta isto no Conselho dos Ents no Senhor dos Anéis onde se procurava decidir se participam ou não na guerra contra Sauron. “Perderam” um dia só para se cumprimentarem. Depois há o impulso dos Hobbits que procuram mostrar aos Ents (árvores falantes e pensantes) como não se pode gastar tanto tempo a decidir porque corremos o risco de perder a oportunidade de fazer alguma coisa para salvar o mundo. Será que o líder silencioso leva a perder tempo por demorar mais tempo a pronunciar-se?


É delicado o equilíbrio entre precipitação e ponderação. Entre decidir na pressa, ou demorar tempo a mais a decidir. Mas a postura do líder silencioso acabaria por nos levar à decisão colectiva. Na sua liderança silenciosa, as coisas não partem do topo para a base, mas estimula com o seu silêncio a que se parta da base para o topo. Quer isso dizer que o líder silencioso tende a formar outros líderes. Algo muito diferente do que acontece no caso do líder carismático. Quando esse deixa de o ser, seja por que motivo for, revela-se insubstituível e dificulta os tempos após a sua liderança. Não é que isso seja mau, pois gera renovação também, mas não diminui ou se sobrepõe ao tipo de liderança silenciosa. Mas será todo o responsável que se cala um líder silencioso?


Ao longo do tempo, quando pensava que estava diante de um líder silencioso, acabei por perceber que a razão do silêncio não era a liderança, mas o medo e a indecisão. Escamoteado de querer que tudo seja de todos, nada acaba por ser de ninguém e adiam-se o fecho dos processos. O silêncio prolongado pode revelar o oposto, a falta de liderança, gerando uma cacofonia semelhante ao líder que diz que sim a todos, mesmo aos que têm opiniões opostas. Admitamos. Gera confusão.


A liderança silenciosa não se abstém das palavras, mas é apurada no uso das que são essenciais. O silêncio não sinaliza pensamento inibido se se fizer acompanhar por uma ou mais palavras. Dá espaço, mas não se retira. Dá tempo, mas não se prolonga em demasia. Vive o equilíbrio do essencial que mantém a vida a fluir sem a impedir de evoluir.

Aprende quando ensina na Universidade de Coimbra. Procurou aprender a saber aprender qualquer coisa quando fez o Doutoramento em Engenharia Mecânica no Instituto Superior Técnico. É membro do Movimento dos Focolares. Pai de 3 filhos, e curioso pelo cruzamento entre fé, ciência, tecnologia e sociedade. O último livro publicado é Tempo 3.0 - Uma visão revolucionária da experiência mais transformativa do mundo e em filosofia, co-editou Ética Relacional: um caminho de sabedoria da Editora da Universidade Católica.
 
 
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