Teoria vivificante

Crónicas 13 outubro 2022  •  Tempo de Leitura: 6

A maioria das pessoas costuma afirmar que gosta mais das coisas concretas e práticas. Quando ouvem a exposição de uma ideia classificam-na muitas vezes como uma teoria. E, ainda que nos esforcemos por explicar como é importante aliar a teoria à prática porque uma não atinge a plenitude da sua potencialidade sem a outra, não resulta. A resistência das pessoas às teorias é grande e eu compreendo a apreensão. É difícil imaginar como uma teoria (por mais bela que seja) possa vivificar concretamente, independentemente de poder, ou não, ser posta em prática. Porém, recentemente, fui interpelado pela raíz da palavra “teoria” que se revela mais intrigante do que imaginava.

Estava a ler um livro do P. Tomáš Špidlík sobre “Rezar com o coração” e a um dado momento ele refere a composição da palavra teoria, de origem grega, que podia ser interpretada como a junção de theos — Deus — com horao — observar, ver. Logo, teoria expressaria “ver Deus” e Špidlík associa a palavra à contemplação. Neste sentido, o teórico é o que contempla e, mais concretamente, contemplaria Deus através de tudo o que existe e é teorizável. Mas seria mesmo assim? Fui investigar.

Não sendo especialista em grego, ao procurar a raíz etimológica da palavra teoria, fiquei intrigado porque as referências que encontrei para a origem de theoriaapontavam para uma ligação directa a “contemplação, especulação, um ver algo, etc.”, separando “thea” (um ponto de vista) e “horan” (ver), sem qualquer referência a Deus. Porém, “thea” é a forma feminina de “theos” que significa Deus, o que torna a informação que encontramos na internet confusa. Pois, “thea” significa um ponto de vista ou deusa? E ainda, por que razão se considera que a raíz de “teo-“ é “thea” e não “theo”? Será “thea” um diminutivo de “theaomai” que significa, agora sim, contemplar? Ou será que, simplesmente, as pessoas são aversas à origem espiritual das palavras que utilizam correntemente, e considerar que uma “teoria” poderia ser um “esforço contínuo de ver Deus em tudo o que existe” vai contra as suas convicções?

Quando nos confrontamos com algo que nos parece ser uma teoria, a perspectiva de que uma teoria seja um “esforço contínuo de ver Deus em tudo o que existe” deveria fazer crescer em nós o desejo de saber, a curiosidade em compreender, e desenvolver a arte da pergunta quando confrontamos essa teoria com a nossa experiência de vida. Uma teoria como acto contemplativo vivifica na medida em que nos ajuda a dar sentido às nossas experiências, ou estimula a fazer novas experiências para dar sentido à teoria.
Contemplar não é um acto passivo, mas pensativo. E pensar é uma característica humana activa que fazemos ininterruptamente, simplesmente por sermos humanos. Mas o pensar pode acontecer em diferentes níveis. Existem pensamentos mais superficiais, outros mais profundos e ainda a sensação de não sabermos o que pensar. E quando nos oferecem uma teoria, na prática, estão a proporcionar-nos um momento para pensar. Por exemplo, pensar na nossa vida, nas escolhas que fazemos, ou naquilo que dizemos, ou ainda no modo como fazemos e dizemos seja o que for. 

«Não me interessam as teorias.» — poderão alguns dizer ou pensar. De facto, existem teorias pouco interessantes como a Eugenia por ser racista. Francis Galton que criou o termo, definiu-o como ”o estudo dos agentes sob o controle social que podem melhorar ou empobrecer as qualidades raciais das futuras gerações seja física ou mentalmente.” Mas reparei como umas pequenas modificações desta teoria poderiam produzir um impacte completamente diferente. Retirem “sob o controle social” e “raciais”, ficando — ”o estudo dos agentes que podem melhorar ou empobrecer as qualidades das futuras gerações seja física ou mentalmente.” A eugenia significaria estudar tudo o que podemos fazer para ajudar TODAS as pessoas das gerações futuras a melhorar. Seria uma teoria que vivifica todos e não apenas alguns.

Quando eliminamos o acto contemplativo do modo como acolhemos qualquer teoria, parece-me que se perde a oportunidade dessa tornar-se vivificante. As teorias evoluem porque expressam o modo como vivemos a realidade. E ninguém vive a realidade alheio a tudo e todos os que habitam o seu espaço relacional. A teoria vivificante é aquela cujo acto contemplativo parte da vida para gerar mais vida. Mas será que esta percepção da teoria como “esforço contínuo de ver Deus em tudo o que existe” pode ser universal, quando temos experiências, noções ou incredulidades relativamente a Deus tão diferentes? Será esta percepção da teoria mais uma teoria? Será preciso viver para compreender.

 


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Aprende quando ensina na Universidade de Coimbra. Procurou aprender a saber aprender qualquer coisa quando fez o Doutoramento em Engenharia Mecânica no Instituto Superior Técnico. É membro do Movimento dos Focolares. Pai de 3 filhos, e curioso pelo cruzamento entre fé, ciência, tecnologia e sociedade. O último livro publicado é Tempo 3.0 - Uma visão revolucionária da experiência mais transformativa do mundo e em filosofia, co-editou Ética Relacional: um caminho de sabedoria da Editora da Universidade Católica.
 
 
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