Sentes o que vês?

Crónicas 2 novembro 2022  •  Tempo de Leitura: 2

São muitas as imagens que nos chegam a toda a hora. Imagens de guerra, de choro e de sangue, enquanto preparamos o jantar ou terminamos as tarefas para o dia seguinte. Imagens de pessoas que têm tudo, quando metade do mundo vive sem nada. Imagens de desgraças pelo mundo todo, enquanto preparamos a roupa para vestir amanhã. Somos uma espécie de autómatos ou não pensamos no que vemos e nos é mostrado?

 

O cérebro defende-nos e protege-nos tornando-nos mais “desligados” perante imagens de uma enorme violência ou de dimensão catastrófica. Imagine-se que sentíamos tudo… não seria suportável. Não conseguíamos aguentar. Não somos más pessoas por não sentir tudo o que nos é bombardeado olhos adentro. Estamos, simplesmente, a fazer o necessário para sobreviver.

 

Agora pergunto: também nos tornámos menos capazes de ver os que estão à nossa volta? Sabemos comover-nos com as histórias que nos contam os olhos de quem, tantas vezes, não nos chega a falar?

 

Enquanto visitava a mostra fotográfica de Steve Mccurry, contemplei retratos de pessoas de todo o mundo. A maioria delas profundamente pobres, tristes, amassadas pela vida e pelo deserto da crueldade. Lembrei-me que olhamos pouco uns para os outros. Que não sabemos ver se os outros estão tristes ou se precisam de alguma coisa… não sabemos criar empatia pela falta de tempo, pela pressa, pelo frenesim das lutas do costume.

 

O olhar das crianças das fotografias de Steve McCurry obrigavam-nos a olhar para elas. A sentir o coração a bater ao mesmo tempo que o delas. A guardar a nossa arrogância numa caixa e a sermos, simplesmente, humanos e irmãos.

 

Há vida para além da nossa. Há misérias sobre as quais não sabemos nada. Há dores que nunca vamos viver nem chamar pelo nome… mas temos o dever de ter consciência de que existem. De que existem tantos para além de nós, dos nossos muros, das nossas conversas pequeninas e das nossas vidas com tão pouco interesse.

 

Vale a pena conhecer e reparar em quem está connosco. Nem que seja através de uma fotografia de alguém que, provavelmente, já nem existirá para este mundo.

 

Que a tua história seja nossa. E que nunca queiras viver sozinho.

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Marta Arrais

Cronista

Nasceu em 1986. Possui mestrado em ensino de Inglês e Espanhol (FCSH-UNL). É professora. Faz diversas atividades de cariz voluntário com as Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus e com os Irmãos de S. João de Deus (em Portugal, Espanha e, mais recentemente, em Moçambique)

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