Tempo relativo
Diz-se que Galileu apercebeu-se de que o número de batidas do seu coração assemelhava-se à duração da oscilação de um candelabro numa Igreja, independentemente da amplitude. Usou o coração para experimentar a duração e, assim, medir o tempo. Mas hoje sabemos que os nossos corações não batem todos ao mesmo ritmo, ou podem bater com ritmos diferentes na mesma pessoa, mediante o nosso grau de ansiedade. O tempo é tão relativo quanto o espaço.
No seu livro "A Ordem do Tempo", o físico Carlo Rovelli diz que — «A noção de "presente" diz respeito às coisas próximas, não às distantes. O nosso "presente" não se estende a todo o universo. É como uma bolha perto de nós. (...) A ideia de que existe um agora bem definido em todas as partes do universo é (...) uma ilusão, uma extrapolação ilegítima da nossa experiência.» — Porquê? Porque o tempo é relativo. Mas relativo a quê? A ti. A mim. A cada um.
Penso que todos, de um modo ou de outro, já experimentámos a "elasticidade" do tempo. Por vezes, aborrecemo-nos porque não chega a nossa vez e o tempo parece não ter fim. Outras vezes, estamos tão embrenhados a fazer algo que o tempo flui, e quando nos damos conta, já passaram não sei quantas horas. A experiência do tempo sente-se quando algo muda e, por isso, Aristóteles terá sido o primeiro (pensamos) a verbalizar o tempo como medida da mudança. Mas algo muda, se existir algo. E foi também Aristóteles que reconheceu o lugar de cada coisa como aquilo que está à sua volta, isto é, a "margem interna", a fronteira. E cada fronteira não é estática, mas dinâmica, e do relacionamento entre as fronteiras emergem os eventos.
Os eventos são a demonstração de como as coisas, ao mudarem, marcam os ritmos temporais. Do ponto de vista rítmico dos eventos, as coisas não são, tornam-se. O mundo é um sucedido de eventos, processos, uns síncronos, outros assíncronos e, por isso, o tempo é relativo.
«Uma "coisa" é uma pedra (...) um beijo, por sua vez, é um evento. (...) O mundo é feito de redes de beijos, não de pedras.» (Carlo Rovelli, "A Ordem do Tempo", p. 91, Objectiva)
Para desenhar uma onda não basta pintar de azul a tela para representar a água. Precisamos de desenhar a água em movimento e só assim conseguimos desenhar uma onda. Também uma família não é somente um conjunto de pessoas, mas de relações, momentos, emoções. E cada um nós insere-se numa rede de relações sociais, ou sujeita-se a uma rede de relações químicas que fazem o corpo mover-se, ou emoções que aceleram o batimento do coração. Cada um com o ritmo próprio porque o tempo é relativo.
A forma mais evidente de como compreendemos o mundo não está em nos focarmos nas coisas, mas no modo como essas mudam. Porém, como dizia o jesuíta P. Alfredo Dinis, no final da sua vida, — «procurei como filósofo compreender o mundo. Estranhamente, sinto que o mundo tem um lado incompreensível. O mundo talvez exista não tanto para ser compreendido mas mais para ser amado.»
Todo o ser humano tem dentro de si um desejo de absoluto. E esse desejo não exclui o tempo. Por isso se compreende como muitos aderiram à imagem de Newton do tempo e procuram sincronizar os relógios por todo o planeta para saciar esse desejo de um tempo absoluto. Assim, não nos atrasamos para o encontro com o outro, esteja ele onde estiver pelo mundo. Mas por muito sincronizados que estejamos, se for dia para mim e estiver desperto, será noite para o Filipino e ele está cheio de sono. O tempo é relativo.
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