Tempo alterado
Uma das consequências da Teoria da Relatividade de Albert Einstein é a de que os nossos relógios marcam tempos infimamente diferentes conforme a nossa velocidade. Se nos movemos mais rapidamente de um lado para o outro, envelhecemos menos, mas temos, também, menos tempo para pensar. Pois, tudo o que se move velozmente leva à experiência de um tempo que passa mais lentamente. O tempo alterado é uma realidade física, mas não só.
A ideia que temos do tempo presente também se altera. Essa experiência de tempo não se aplica ao que está longe de nós, mas apenas ao que se encontra na nossa proximidade. O tempo presente é como uma bolha que nos envolve. Por isso, o meu agora é diferente do agora de outro se esse estivesse numa outra parte do nosso universo. Daí que a experiência pessoal que temos do tempo presente seja elástica e se altere conforme a física e a percepção daquilo que muda à nossa volta. A não ser que nos estejamos a mover depressa demais.
Cada vez vivemos mais em tempo-real. Antigamente, como uma carta demorava tempo a escrever, enviar, chegar, e ser correspondida, o conteúdo focava-se no que é, realmente, essencial, possuindo um grande valor para quem recebe. Hoje, enviamos uma mensagem ou email para o outro lado do mundo e chega em apenas uns segundos. O perigo da tecnologia que enrijece o tempo, uniformizando-o por todo o lado, é o de perdermos os momentos importantes de pausa entre o pensar, o agir e o reagir. Os momentos de pausa são a experiência do tempo que nos permite desenvolver alguma perspectiva sobre as coisas. Sobre o modo de estudar melhor, ou organizar o nosso trabalho, ou as nossas ideias, não cedendo ao imediato que compromete a qualidade e profundidade do fruto da nossa criatividade.
A ausência de fricção nos nossos canais de comunicação eliminam a experiência de tempo, dando lugar ao consumo de conteúdos pelo tempo que esses conseguirem captar a nossa atenção. Por exemplo, a leitura analógica reveste-se de momentos de pausa que não existem na leitura digital. Por isso, esta última tornou-se equivalente ao zapping que fazemos no televisor quando não temos qualquer interesse e entramos num modo de dormência cognitiva num tempo cristalizado. Um tempo que precisa de sair do poder absoluto que alguma tecnologia exerce sobre a nossa atenção e alterar-se com os momentos de pausa.
Ao contrário do que poderíamos pensar, as pausas não são silêncios estáticos, mas introduzem fricção nos nossos canais de comunicação, de modo intensificar aquilo que se está a viver. Como o autor Edward Tenner no seu livro "Why things byte back"— «Tenta a finesse (...), [que] significa produzir mais com intervalos mais frequentes. Na estrada, a finesse significa uma abordagem mais calma à condução, melhorando a velocidade e economia de todos os condutores desacelerando nas vezes em que o impulso nos levaria a acelerar.» — O tempo alterado é a experiência de amadurecimento que resulta de vivermos bem cada acontecimento da nossa história sem pressa.
É fácil para a maior parte das pessoas estar com outras pessoas. O que as pessoas não suportam é quando se encontram sozinhas, sem ninguém que conhecem, ou se sentem à vontade, para iniciar uma conversa. Daí que o smartphone tenha resolvido a ansiedade gerada pelos tempos de espera que nos obrigavam a nos encontrarmos com os nossos pensamentos. Porém, como disse James Gleick em "Faster" — «...nós nascemos conectados. A solitude veio com a maturidade.» — Por isso, o encontro com os pensamentos é um fruto amadurecido do tempo alterado.
Como a maioria de nós rege a sua vida pelo tempo cronológico que necessitamos gerir, é difícil viver um tempo alterado pela dinâmica que emerge dos momentos inesperados que vivemos. Daria jeito a quem pauta a sua vida sem pausas que o tempo fosse uma constante absoluta sem surpresas, mas a realidade não é bem assim.
O tempo alterado que nos permite saborear cada momento oportuno, kairológico, é um tempo desacelerado. Como dizia Gandhi — «Há mais na vida do que aumentar a sua velocidade.» — o tempo não nos escapa, nem se esgota porque depende da abertura que fazemos da nossa pessoa às experiências transformativas, em vez de nos deixarmos controlar pelas nossas agendas e tarefas. Ninguém tem pressa para viver tudo o que gostaria num ápice, morrendo cedo. Ninguém saboreia um doce, engolindo-o, sem que a língua lhe toque. Analogamente, o tempo alterado pela desaceleração da experiência que fazemos desse, leva-nos a trocar o viver para o tempo pelo tempo para viver.
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