Jovens Luditas
Um amigo professor partilhou-me um paradoxo nos jovens adolescentes que ensina. Dentro da sala não conseguem prestar atenção e estão sempre a falar uns com os outros. Quando saem da sala para o intervalo, deixam de falar uns com os outros e vivem para o seu ecrã. Há dois anos, a professora de geografia da minha filha havia notado o mesmo, pelo que parece ter-se tornado uma imagem recorrente do nosso tempo: o consumo em massa.
Na “Ilha” imaginada por Aldous Huxley, ele questiona o que têm os rapazes e raparigas americanos em comum: consumo em massa. — «E os corolários do consumo em massa são as comunicações em massa, a publicidade em massa, opiáceos em massa no formato televisivo, meprobamato, pensamento positivo e cigarros.» Escrito em 1962, este retrato não podia ser mais actual. E se alguma coisa deveria mudar, não serão os adultos os protagonistas dessa mudança, mas os próprios jovens adolescentes.
Imagina um mundo onde os adolescentes reúnem-se num parque, tiram das mochilas um livro ou um novelo de lã para fazer croché, e conversam entre si sobre as suas vidas e a relação que tiveram com a tecnologia. Não é um mundo imaginado, mas uma realidade vivida por um grupo de jovens americanos que, depois da pandemia, começou a viver deste modo, o que tem feito notícia por todo o mundo.
«Quando recebi o meu telemóvel flip, as coisas mudaram instantaneamente. Eu comecei a usar o meu cérebro. E isso levou a observar-me como uma pessoa.» — Nem todos os jovens estão nas redes sociais e estas palavras de Lola Shub, membro do Clube Ludita fundado pela jovem Logan Lane, mostram o nascer de uma onda que reflecte a imagem oposta à de muitos adolescentes que no mundo saturado de informação procuram um modo próprio de ser e estar diferente e mais consciente.
Um Ludita é alguém que se opõe à mudança tecnológica e ao progresso, mas estes adolescentes estão a re-definir um pouco este termo no sentido do minimalismo digital, após a experiência de superficialidade que fizeram durante a pandemia, onde a transição de uma vida física real para uma vida virtual fictícia começou a afectar a sua saúde mental. Quando o modo como o adolescente/jovem aparenta ser virtualmente começa a entrar em ruptura com aquele que, realmente, esse adolescente/jovem é, surge o período das questões mais profundas. O crescimento da adolescência à juventude é rápido. E alguém que na adolescência era influencer, com muitas visualizações e seguidores, na juventude começa a sentir o vazio dessa experiência e deseja uma mudança radical, como aconteceu com Elle Mills.
Aos 12 anos, Elle começou a sua carreira como YouTuber e durante muitos tempo teve um grande sucesso. Os anos foram passando e a fantasia de criança de ser conhecida e famosa, tornou-se numa tensão constante em não perder a sua audiência e a validação que dessa recebia. Ellis diz que — «O meu sentido de auto-valorização havia-se tornado de tal forma entrelaçado com a minha carreira que mantê-la genuína era como um sentimento de vida ou morte.» — E depois conclui que — «quando as métricas substituem o valor que damos a nós próprios, é fácil cair na armadilha de oferecer pedaços preciosos de ti mesmo para alimentar uma audiência que está sempre faminta de mais e mais.» Em 2018, Ellis experimenta o burnout ou cansaço extremo e partilha-o, impulsivamente, online. Poderia ter acabado com a sua carreira, mas o efeito foi exactamente o oposto. A sinceridade e o realismo da partilha daquilo que estava a viver, captou ainda mais a atenção das pessoas. Aos 24 anos, Ellis conclui que — «para ser “autêntica”, eu tinha de ser o produto que durante muito tempo fui publicando on-line, em oposição à pessoa que me estava a tornar ao crescer.» Durante a pandemia, Ellis desistiu de ser um produto digital e saiu do YouTube.
O sentimento que escuto em muitos adultos é o de que chegar aos mais jovens implica desenvolver conteúdos nas plataformas digitais onde eles estão. Mas a crescente onda de jovens luditas deveria-nos levar a pensar se esses poucos não estarão a mostrar antes o caminho a seguir e que devíamos imitar. Não tanto pela recusa da tecnologia, mas pela clareza de serem os valores relacionais pessoais que orientam o modo como a usamos.
Recentemente, estava numa reunião internacional e alguém com mais de 25 anos questionava se a nossa iniciativa não devia estar mais presente no Facebook. Em resposta, uma colega francesa (também com mais de 25 anos) dizia que apenas os que têm mais de 25 é que pensam no Facebook. A «malta nova,» — dizia — «actualmente anda mais pelo Instagram.» E se esta onda crescente de jovens luditas deixasse em massa as redes sociais? De que valeu o nosso esforço? A tecnologia estará sempre presente na nossa vida, sobretudo os iPhones, iPads e afins. Mas a Espiritualidade está, talvez, a precisar também de um update, não tanto tecnológico quanto de linguagem, dinâmicas, proximidade, acolhimento, maior acompanhamento, etc. Pois, se houvesse um apagão mundial por causa de uma explosão solar, perceberíamos como até a tecnologia passa, mas o amor jamais passará.
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