Ouvimos com os ouvidos de Deus?
«Quem não sabe ouvir o irmão, brevemente será incapaz de ouvir a Deus. Mesmo diante de Deus será sempre ele quem falará. Aqui começa a morte da vida espiritual e, finalmente, nada restará senão a tagarelice espiritual e a condescendência fraterna que sufoca em tantas e belas palavras piedosas. Quem não souber ouvir longa e pacientemente falará sem realmente tocar o outro e, por fim, nem ele mesmo se aperceberá disso. Quem acredita que o seu tempo é demasiado precioso para o perder na escuta dos outros, nunca terá verdadeiramente tempo para Deus e para o irmão, mas sempre e só para si, para as suas palavras e para os seus projetos.
Devemos ouvir com os ouvidos de Deus, para podermos falar com a Palavra de Deus.»
Dietrich Bonhoeffer
Nesta quaresma tenho meditado nas palavras deste teólogo protestante. Se pararmos um pouco e pensarmos seriamente no que desejamos para sermos felizes no quotidiano, descobrimos que é este desejo profundo que nos habita, e que às vezes não reconhecemos ou expressamos: sermos ouvidos!
Quando somos ouvidos, sentimo-nos acolhidos, aceites pelo que somos e considerados numa das nossas mais profundas necessidades.
A escuta é o fundamento da confiança nas relações humanas. Aliás, é o fundamento de toda a relação e de toda a comunicação. Portanto, também da relação com Deus. Quando somos ouvidos, sentimos que existimos: Somos tidos e achados!
Quantas vezes conversamos com uma pessoa que percebemos que está bem distante de nós, e isso nos entristece? Pelo contrário, quando encontramos alguém que sabe ouvir com o coração, sentimos alegria e consolação, mesmo que os nossos problemas não sejam resolvidos.
Ora, este desejo legitimo também tem o seu reverso. Somos capazes de ouvir o outro da mesma forma? Quantas vezes estamos diante do outro que fala esperando apenas que ele acabe para impor o nosso ponto de vista sem ter entendido o dele?
Não nos esqueçamos que, sentir-se ouvido é a primeira forma de cura e sinal de um novo inicio. Ainda este fim de semana ouvia de uma idosa o lamento de que os netos, a quem ela dedicara tantos dias da sua infância e adolescência, não tinham tempo para estar com ela. Ou não tinham paciência para lhe ouvir as dores e os sofrimentos da idade...
Ouvir exige afastar-se, dar espaço a quem nos rodeia. Colocar-nos numa atitude de empatia que saiba entrar no coração de quem está à nossa frente, sem qualquer preconceito ou ar de quem já ouviu tudo. É por isso que não é fácil. Requer a capacidade de ficar em silêncio, pacientemente...
Esta incapacidade de ouvir os outros, por vezes, demonstra algo bem pior... Pode ser a incapacidade de ouvir-nos a nós próprios, reconhecer os pensamentos que nos perseguem, as emoções que nos agitam, as perturbações que nos atormentam.
Quando procuramos uma comunicação verdadeira, precisamos de ouvir a nós mesmos; de ouvir as nossas necessidades mais verdadeiras, aquelas inscritas no íntimo de cada um de nós.
Quando o fazemos, somos capazes de entrar em relação com os outros e com Deus, porque somos seres disso mesmo: de relação!