Voto trinitocrático

Crónicas 4 maio 2023  •  Tempo de Leitura: 5

Será que 5 mulheres a votar no Sínodo do Bispos dedicado à sinodalidade constitui uma revolução no modo de decidir da Igreja? Ou será pouco? As 5 mulheres são religiosas. Não poderia haver mulheres e homens leigos? Na verdade, o Sínodo é dos Bispos que são homens pela natureza da sua vocação, mas este Sínodo tende a tornar-se o Sínodo de Toda a Igreja como dizia o Frei Bento Domingues num recente artigo para o Público. Porém, será que estas questões denotam uma certa distorção da natureza de um voto em âmbito sinodal?



O protagonista do Sínodo é o Espírito Santo. O voto no Sínodo não possui a mesma natureza de um voto numas eleições democráticas ou referendo. Um Sínodo não é uma experiência de democracia, mas de trinitocracia. Por isso, um voto em âmbito sinodal é um voto trinitocrático. Numa trinitocracia, o que está em causa não é a vontade das minorias ou maiorias, mas a Vontade de Deus. Não é o pensamento deste ou daquele que conta, mas a comunhão e diálogo entre os pensamentos onde o essencial vive-se no amor recíproco entre as pessoas que abrem os corações à presença de Jesus no seu meio e à Voz do Espírito Santo. 



A representatividade das mulheres no Sínodo deve-se ao valor de uma presença feminina indispensável, como foi a de Maria no Pentecostes. Maria era apenas uma mulher no meio dos Apóstolos, mas a sua presença revelava-se essencial pela maior sensibilidade que tinha à Voz do Espírito Santo desde o seu sim na Anunciação. A presença das mulheres expressa a importância do perfil feminino de Maria no Sínodo. Por isso, durante os diálogos, intervenções, coffee-breaks, etc., enquanto os bispos e as religiosas trocam impressões, o propósito não é tanto convencerem-se uns aos outros (ou não deveria ser), mas amarem-se ao ponto de sentirem a presença de Deus entre eles (Mt 18, 20) por meio do Espírito Santo que age no coração que a Ele se abre. Por isso, um voto não representa uma opinião, mas deveria ser expressão da acção do Espírito, sendo Ele que vota por meio de cada um. No voto trinitocrático, a proporção de sexos e vocações não deveria importar muito.




A sociedade civil tem muita dificuldade em compreender um modo de governo baseado em relacionamentos ao modo da Trindade. No relacionamentos trinitários não é o modo como pensamos que orienta os nossos discursos e o voto, mas a busca incessante daquilo que Deus quer através da comunhão de experiências. Poderia argumentar-se que isso serve de desculpa para manter mínima a representatividade feminina, pois, não é por haver mais mulheres a votar no Sínodo que fica comprometida a dinâmica da vida trinitária. Sem dúvida, e até pode ser que à data da Assembleia final aumente o número de mulheres a votar. Porém, o cerne da questão é que o resultado final não depende do sexo dos votantes, mas do seu coração e esse não tem sexo.



Karl Rahner, um dos teólogos mais influentes aquando do Vaticano II temia que a Trindade se tornasse num conceito abstracto que pouco ou nada afectaria a vida dos cristãos. Por isso, para ele, a acção de Deus na história humana não se podia separar do modo como Deus Se revela através das relações vividas no seio da Trindade. Isto permitiria aproximar a percepção de Deus como alguém que está presente nas nossas vidas e convida a viver trinitariamente como Ele, amando cada um pela presença de Deus nele através da presença de Deus em si mesmo. Quando o modo de ser da Igreja se afasta da trinitocracia para se tornar numa democracia, perdemos a originalidade do efeito criativo e inovador da vida de Deus-Trindade em nós. Uma originalidade que se pode manifestar pela surpresa que votos trinitocráticos podem gerar.

 


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Aprende quando ensina na Universidade de Coimbra. Procurou aprender a saber aprender qualquer coisa quando fez o Doutoramento em Engenharia Mecânica no Instituto Superior Técnico. É membro do Movimento dos Focolares. Pai de 3 filhos, e curioso pelo cruzamento entre fé, ciência, tecnologia e sociedade. O último livro publicado é Tempo 3.0 - Uma visão revolucionária da experiência mais transformativa do mundo e em filosofia, co-editou Ética Relacional: um caminho de sabedoria da Editora da Universidade Católica.
 
 
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