"Anestesiadamente" indiferentes
«Estamos conectados e, contudo, vivemos desligados uns dos outros, anestesiados pela indiferença e oprimidos pela solidão.» — É esta a leitura do papa Francisco sobre o estado do mundo que atingiu um nervo dentro de mim.
A insensibilidade não se manifesta apenas em coisas grandes como ver uma guerra a entrar-nos pela televisão adentro. Podemos estar anestesiados relativamente às dificuldades daqueles que estão à nossa volta. A indiferença não se reflecte somente pela falta de interesse daquilo que interessa aos outros, mas vive-se também na falta de curiosidade pelas coisas profundas. Como evitar vivermos "anestesiadamente" indiferentes?
Poucos são aqueles que ficam indiferentes ao que tem a ver consigo. Com a sua saúde, os recursos que dispõem, o reconhecimento daquilo que fazem, entre tantas outras coisas que os atingem pessoalmente. Por outro lado, os ambientes de trabalho ou familiares em que vivemos enchem-se de solicitações, de tal forma que podemos experimentar mais a ansiedade, frustração ou angústia, do que propriamente uma sensação anestésica relativamente ao que nos diz respeito. Parece faltar a consciência de uma Presença.
Quem é o Espírito Santo? Sempre me fez confusão a expressão "ter" ou "não ter" o Espírito Santo. Se não faz sentido possuir alguém sem o escravizar, menos sentido faz ainda possuir Deus-Espírito Santo como um bem (ainda que Lhe queira bem). Na tradição cristã, Ele é a Pessoa intrínseca à Trindade na qual reconheço o Pai e o Filho que se amam incondicionalmente, e sem a Pessoa do Espírito Santo seria impossível contemplar o Pai e o Filho como Um sem partir o Deus-Uno em três partes. Porém, como Pessoa, é Alguém concreto com quem poderia estabelecer uma relação, mas que só faria sentido por acreditar n'Ele? Ou poderia um não-crente experimentar a presença do Espírito Santo?
De certa forma fico a pensar naquilo que sente alguém que não acredita em Deus ao ler o parágrafo anterior. Seria capaz de chegar até este parágrafo? Hoje, "anestesiadamente" indiferentes, acredito que sim porque aos nossos olhos passa tanta informação que interessa, e não nos interessa, que até o parágrafo anterior seria mais uma informação entre outras. O Espírito Santo pode tornar-se para muitos mais uma bela ideia entre muitas outras, uma vez que não sabemos que aspecto tem. Pedi ao Dall-E, a Inteligência Artificial para criar imagens, que me desenhasse um retrato do Espírito Santo. Curiosamente, as quatro opções que me deu foram retratos de Jesus porque também o Pai, nunca ninguém O viu. Por que razão a consciência da Sua presença poderia ajudar-nos a "desanestesiar" e a fazer a "diferença"?
A experiência daqueles que despertaram do sono cultural e espiritual profundo induzido pela anestesia da indiferença, viram desenvolver a sua sensibilidade à presença e relação com o Espírito Santo através da harmonização do seu coração e do coração daqueles que estão à sua volta, sincronizando-se, até sentirem apenas o bater de um só coração. Habitualmente dizemos que estamos em uníssono.
Quando procurarmos contemplar mais o mundo que nos rodeia, procurando ser amor para os outros, e perdendo os próprios pensamentos, crescerá a sensibilidade à interacção com o Espírito Santo que renova todas as coisas, sobretudo as nossas relações onde se ligam os interesses, de tal modo que não posso ferir-te, sem me ferir também, como dizia Gandhi. Um primeiro passo poderia ser procurar aquilo que interessa ao outro, reconhecendo nesse interesse o batimento do seu coração. É difícil? Talvez. Podemos sempre pedir ao Espírito Santo que nos ajude e aguardar pacientemente pelo que acontecerá a partir daí.
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