És livre?

Crónicas 15 junho 2023  •  Tempo de Leitura: 6

Somos realmente livres? Podes sair quando quiseres de um grupo de WhatsApp? Podes desligar a câmera num Zoom quando o grupo é pequeno e todos têm a câmera ligada? Podes escolher viver quando não puderes falar, sabendo que existe uma Lei “eutanasiante” onde será possível que outros possam decidir o que é melhor para ti? Podes acolher uma nova vida quando tudo, todos e a lei te dizem não ter condições para isso? 



O primeiro filme dos Avengers da Marvel parece ser um momento de puro entretenimento, mas nas entrelinhas do personagem Loki, Deus nórdico da travessura, o tema do filme é a liberdade. A um dado momento da narrativa, Loki obriga uma multidão a ajoelhar-se e discursa — «"É a verdade não dita da humanidade, vocês anseiam pela subjugação. O brilho sedutor da liberdade diminui a alegria da vossa vida numa louca corrida pelo poder, pela identidade. Vocês foram feitos para serem governados. No final, vocês ajoelhar-se-ão sempre.." — A tecnologia e algumas leis políticas são hoje uma fonte discreta de subjugação de ideais que podem ameaçar a vivência da nossa liberdade. Mas como essa subjugação surge na forma de entretenimento e a interagir com os nossos níveis de dopamina (neurotransmissor cerebral que nos dá uma sensação de realização), a necessidade de reflectir sobre a liberdade é maior hoje e são pouco os que se dão conta disso. Daí a pertinência e o valor da obra "Ensaios de Liberdade" que o teólogo e professor de EMRC, Luis Manuel Pereira da Silva, lançará no próximo dia 23 de junho publicada pela Tempo Novo Editora de Aveiro. Recomendo-o não por ter lido, mas por conhecer o rigor e originalidade do pensamento do autor.



A expansão das selfies, dos influencers, da ânsia pela fama e pela atenção que muitos clamam numa actividade frenética nas redes sociais, ou nos grupos WhatsApp, expressa a necessidade de serem reconhecidos, ouvidos e de que os outros tomem consciência da sua existência. Sou porque apareço. Sou porque reagem ao que partilho. Sou enquanto partilho e sou partilhado. As pessoas não se dão conta disso, mas a tecnologia da conectividade tornou-se, como dizia Loki no seu discurso, uma "louca corrida pelo poder, pela identidade". O poder ansiado é o da atenção dos outros, de modo a nos darem uma identidade que nem sempre corresponde à realidade.


Em 2019, o Luis publicou "Bem-nascido... Mal-nascido..." onde reflectia sobre a vida que nasce ou é impedida de nascer. Ele reflecte sobre a identidade quando afirma que — «a presença do outro é nascente da nossa própria identidade, não como causa, mas como fonte emergente em estreitíssima convergência de condições de possibilidade. (...) Um e outro não emergem de si mesmos, nem por causa de si. Emergem no encontrar-se. Do e no encontro com o outro, faço-me consciência de mim.» — O encontro com o outro com esta dimensão relacional só é possível na versão presencial. A versão digital será sempre limitada e, hoje, penso que afecta a vivência da nossa liberdade e daí a pertinência desta nova obra que nos impulsiona a pensar sobre a liberdade.



Na nota de imprensa lemos que — «‘O modo como pensamos a liberdade reflete-se no modo como a vivemos’ é um pressuposto desta obra, onde se denunciam conceções incompletas de liberdade e se formula um conceito que supera os limites diagnosticados. É uma obra de diagnóstico, mas também de terapêutica para uma sociedade que, nascida da convicção da centralidade da liberdade, parece não saber conviver com ela, por viver de um fantasma e não da própria realidade que ela é: situação quase doentia esta em que nos dizemos ‘livres’ mas em que parecemos sufocar e ansiar por uma realidade de que, afinal, nos dizemos portadores.»



As pessoas que deslizam o seu dedo pelo pequeno ecrã, de olhos fixos nas cores saturadas, sentem-se livres porque a partilha que fazem de si mesmas e daquilo que lhes interessa, é um acto de vontade que parece responder — «Sim.» — à pergunta — «És livre?» Porém, a vida digital de muitas pessoas tem-nas alienado de si próprias, comprometendo a sua liberdade, sem se darem conta disso.



Carlos Sousa e Silva que escreve o posfácio de "Ensaios de Liberdade" refere que Luis Silva — «faz a desmontagem do falacioso enquadramento da Liberdade como concebida pela Vontade, demonstrando com evidência os perigos que esta ideia, tão veementemente defendida pelos media, comporta e passa, depois, com pertinência esclarecedora, a fazer prova de que a “gestação” da Liberdade é feita não pela Vontade, mas pela Razão.» — Uma Razão que é Relação, conhecendo e partilhando de muito do pensamento do Luis. Sabendo que a obra toca em temas "quentes" como o aborto, o suicídio, a eutanásia, os desejos e direitos LGBTQI+, entre outros, a curiosidade da sua leitura não podia ser maior e a sua recomendação uma evidência.

 


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Aprende quando ensina na Universidade de Coimbra. Procurou aprender a saber aprender qualquer coisa quando fez o Doutoramento em Engenharia Mecânica no Instituto Superior Técnico. É membro do Movimento dos Focolares. Pai de 3 filhos, e curioso pelo cruzamento entre fé, ciência, tecnologia e sociedade. O último livro publicado é Tempo 3.0 - Uma visão revolucionária da experiência mais transformativa do mundo e em filosofia, co-editou Ética Relacional: um caminho de sabedoria da Editora da Universidade Católica.
 
 
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