Orgulhosamente acelerado
Guiava o carro elétrico que economiza bateria se a velocidade estiver nos 110 km/h. Porém, para ultrapassar camiões ou outros carros, costumo colocar o cruise controlnos 120 km/h. Curiosamente, começo a ver muitos outros carros na auto-estrada a aproximar-se de mim, inclusive no momento em que fazia a ultrapassagem. Desses carros mais de 95% são a combustível e quando olhava para quem os conduzia, a expressão parecia-me ser a de alguém orgulhosamente acelerado. Enquanto isso, Linda Ressler de 57 anos que limpa cabines de aviões durante a noite, não aguenta os 37ºC dentro do avião estacionado e quase colapsa enquanto trabalha.
No início de Julho registaram-se as temperaturas mais elevadas desde 1979. São o resultado das alterações climáticas. A minha esposa notou que no gráfico da notícia do New York Times, a flutuação dos vários anos sobrepostos indicados como sendo do planeta eram típicos do hemisfério norte, enquanto de no hemisfério sul acontece o oposto. Logo, por que razão se tomou a temperatura mais alta registada no hemisfério norte como planetária? Seria para chamar a atenção do orgulhosamente acelerado de que se moderasse a sua velocidade poluiria menos e contribuiria para mitigar as alterações climáticas? A minha pergunta estica muito a relação entre as duas coisas. Estou ciente. Pois, quem anda orgulhosamente acelerado a 140-150 km/h não quer saber minimamente dos efeitos que a sua aceleração tem sobre o nosso planeta. De óculos escuros, com ar estiloso e uma mão ao volante, "voa" para o seu destino e levemente envia os mortíferos poluentes para a atmosfera. Estará sensível aos efeitos que parecem de pequena escala, mas não são? Estarei, também eu, ciente de poder estar a fazer um juízo injusto? Na verdade, enquanto pensarmos que somos a elite que se comporta bem ambientalmente, estaremos longe da realidade que é a de todosestarmos no mesmo barco.
Ninguém reflecte sobre aquilo que faz até sofrer os efeitos dos seus actos. Até que o obeso e sedentário sofra de um ataque de coração, não pensa no modo como come e na sua actividade física. Conduzir por aquela estrada no limite de velocidade e ver vários, vários a passar por mim mais depressa, dava a impressão de vivermos num mundo acelerado que pensa menos do que devia nas consequências distópicas dos seus actos.
Agora que se aproximam as Jornadas Mundiais da Juventude 2023 em Lisboa, “apressadamente” é o mote associado à acção (ou reacção) de Maria quando soube da feliz notícia da gravidez da sua prima Isabel. Não há orgulho na pressa de Maria, mas desejo de encontro. Ela não podia exceder os limites de velocidade porque o próprio corpo limita a nossa velocidade. A tecnologia que criamos permite-nos exceder os limites. Por isso, sem uma consciência ética e moral que nos ajude a compreender o valor de determinados comportamentos, correremos sempre o risco que andarmos orgulhosamente acelerados mesmo sem pressa. Fala-se muito no decréscimo para lidar com as alterações climáticas, mas talvez pudessemos falar, também, de desaceleração. A vantagem será dar a nós próprios uma oportunidade de contemplar a paisagem, viver mais serenamente e saborear o tempo para pensar enquanto guiamos. Existem volantes espirituais que podemos deixar que Deus conduza, e existem outros que estão inadvertidamente nas nossas mãos. Porém, o pé no acelerador será sempre o nosso.
Para acompanhar o que escrevo pode subscrever a Newsletter Escritos em https://tinyletter.com/miguelopanao