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Crónicas 22 novembro 2023  •  Tempo de Leitura: 5
Três graus. Três cuidados. Três movimentos. Uma vocação. Diante do ponto de viragem que o COP28 pode representar, dentro de nós será preciso ultrapassar também o ponto crítico e despertarmos para uma melhor compreensão do caminho relacional entre nós e o mundo natural.

3 Graus
Uma formiga é pouco ou nada inteligente, mas um formigueiro possui uma inteligência colectiva notável. Uma abelha exploradora voa e escolhe um possível lugar para estabelecer uma nova colmeia. Outras abelhas exploradoras fazem o mesmo e quando se juntam, dançando, escolhem o novo lugar por unanimidade, demonstrando uma consciência colectiva, aumentando o grau de complexidade que dinamiza a vida. E nós? Somos inteligentes, conscientes, mas quando nos juntamos em comunidade surge algo de mais complexo ainda: uma espiritualidade colectiva. Essa abre horizontes de vida profundos e, por vezes, inesperados. Porém, há uma intelecção ou perspectiva nova que emerge de uma profunda vivência da espiritualidade colectiva:todos fazemos parte da família da criação. Se com o pampsiquismo, a ciência começa a reconhecer a existência de diferentes graus de consciência em cada elemento do mundo natural, não é de estranhar que existam do mesmo modo "sementes" de uma dimensão espiritual. E a percepção desta dimensão espiritual que dá sentido à natureza intrínseca de cada coisa desenvolve-se através de uma visão ecológica de dos três graus nos leva a compreender existirem três cuidados.

3 Cuidados
Que tipo de conhecimento desenvolve a ecologia? A ecologia é a ciência das relações. Relações entre espécies num ecossistema, mas pode ir mais longe se estivermos cientes da existência outros ambientes além do natural. A interacção entre o ser humano e o meio ambiente faz hoje parte do nosso quotidiano. É cada vez maior a consciência das implicações que têm os nossos comportamentos em relação ao meio ambiente para com o desenvolvimento humano, a responsabilidade social para com os mais pobres e a sua dignidade. Desde os escritos do Papa Paulo VI que se tornou inegável a urgência de agir pelo cuidado pela criação.

S. João Paulo II deu um passo no caminho de compreensão da real dimensão da ecologia ao chamar a nossa atenção para a existência de um ambiente social, referindo a ecologia humana pela primeira vez em 1991 na Carta Encíclica Centesimus Annus. Desde então, não podemos cuidar da criação sem estarmos atentos ao cuidado uns pelos outros.

Em Bento XVI abre-se uma perspectiva subtil e inovadora sobre o impacto de um terceiro "ambiente", o ambiente interior, na re-descoberta do nosso lugar na natureza, um ambiente que vive de relacionamentos. Na Caritas in Veritate, Bento XVI é, talvez, aquele que começa a falar da acção que brota do relacionamento entre a pessoa e a natureza, como parte da inteligência-amor que tempera tudo o que pensa com o "sal" da caridade. O ambiente interior implica o cuidado dos relacionamentos.

Quando leio palavras como "guardiões" ou "administradores" no que diz respeito ao nosso papel relativo à criação, parecem-me visões muito limitadas. Mais do que isso, somos cuidadores, mas será por aí que pára a nossa vocação? Pensemos nos três chamamentos.

3 Movimentos
Como universo consciente (supostamente) daquilo que vive, o ser humano é movimentado em três direcções. Em direcção:
  • à comunhão com o mundo natural;
  • à comunhão com os outros seres humanos;
  • à comunhão com Deus;
ou seja, três movimentos na direcção de uma só vocação: a vocação à comunhão.

1 Vocação
Na comunhão connosco próprios, com os outros, com a natureza e com Deus, encarnamos a realidade de sermos imago Dei, imagem e semelhança de Deus. Realizar a comunhão é um acto criativo, mas somos inteligentes, conscientes e espirituais. Por isso, o único limite à nossa imaginação de como gerar com a nossa vida mais comunhão estará na coragem de dar o primeiro passo. Pensa no mais pequeno que podes dar e lança-te.


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Aprende quando ensina na Universidade de Coimbra. Procurou aprender a saber aprender qualquer coisa quando fez o Doutoramento em Engenharia Mecânica no Instituto Superior Técnico. É membro do Movimento dos Focolares. Pai de 3 filhos, e curioso pelo cruzamento entre fé, ciência, tecnologia e sociedade. O último livro publicado é Tempo 3.0 - Uma visão revolucionária da experiência mais transformativa do mundo e em filosofia, co-editou Ética Relacional: um caminho de sabedoria da Editora da Universidade Católica.
 
 
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