A noite e o Ginásio
A Palavra de Deus que ressoa no Primeiro Domingo do Advento parece sugerir-nos não só como estamos, como crentes, na noite, - na verdade, o verbo vigiar introduz-nos o tema da noite, como horizonte temporal, mas sobretudo como condição existencial.
Durante a noite somos convidados a manter os olhos bem abertos para não nos deixarmos vencer pelo peso do sono. A noite é um símbolo dos tempos sombrios da história, das trevas que envolvem a humanidade, da tentação da descrença que atravessou todas as épocas. E hoje, como no tempo dos primeiros cristãos, parece que tudo é banhado pela escuridão.
Não é apenas a guerra da Ucrânia ou o conflito Israelo-Palestiniano. Vejamos a pobreza ou a riqueza mundial mal distribuída. As alterações climáticas que afetam essencialmente os mais pobres porque têm menos capacidade de se protegerem. Os refugiados que continuam a morrer nesses mares e oceanos. As perseguições a etnias ou religiões - vejam o número de cristãos perseguidos!
Se olharmos para Portugal: é a saúde, a educação, a corrupção, a pobreza, o desemprego, a desorientação moral...
Mas a mesma Palavra de Deus, também nos diz como podemos atravessar esta noite: precisamos de um coração pronto e vigilante, semelhante ao daqueles que esperam pelo amado.
O Advento é o tempo de olhar/vigiar com novos olhos a história em que vivemos e captar a ação de Deus que sempre eleva os humildes, derruba os poderosos, derruba o trono dos arrogantes.
Uma vigilância que se torna disponibilidade na generosidade e no colocar-se ao serviço. Portanto, uma espera vigilante de que necessitamos desesperadamente, pois muitas vezes tornamos-nos incapazes de esperar, impacientes, zangados. A Recolha do Banco Alimentar Contra a Fome, é um bom exemplo disto: solidariedade e serviço.
O tempo do Advento que agora iniciamos, torna-se então um ginásio que nos treina para estarmos despertos e liberta-nos de alguns riscos que afetam o coração e o espírito, como o deixar-se vencer pelo cansaço. A agitação do nosso tempo leva-nos a correr sempre um passo à frente de onde estamos, continuamente fora de nós mesmos, não com uma atitude de doação, mas de distância do centro vital do nosso coração.
Estar vigilante é não nos perder de vista, é viver e não vegetar, perdendo o contacto com nós mesmos.
Estar vigilante ensina-nos a sabedoria de viver com sensatez os dias que nos são dados. Poucos ou muitos. Curtos ou longos.
Um Santo Advento.