Ele não era a luz, mas veio para dar testemunho da luz
Há muito que nos refugiamos no culto de nós mesmos e nos transformamos nos nossos piores inimigos. Qualquer paixão transforma-se numa prisão porque a buscamos fora da espiritualidade, da vida interior. mas é aí que reside a verdadeira alegria.
Na história humana, nunca houve um período em que, ao despertar para a consciência de si, dos outros e para a honestidade intelectual, a forma mais preciosa de honestidade, da qual procedem todas as outras, o ser humano não tenha experimentado a amarga experiência de estar preso. A consciência e a inteligência são áreas vitais precisamente porque dão vida. São indispensáveis. Ao mesmo tempo que te dão vida, também te tiram a liberdade.
Podemos viver sem amor? A resposta é obviamente “não”, mas apaixonar-se e amar é muitas vezes um tormento, um pesadelo do qual não se consegue libertar. A centralização mais excitante, mas ao mesmo tempo a descentralização mais enfraquecedora; a alegria mais íntima, mas ao mesmo tempo o sofrimento mais penetrante; a generosidade sem limites, mas ao mesmo tempo uma aversão igualmente ilimitada...
Podemos viver sem a nossa família de origem, ou aquela que formamos? Mas quanto aprisionamento advém da convivência dos seres humanos entre si: para as crianças, cujo crescimento se dá como um caminho progressivo de autonomia; depois, para os pais, cujo aprisionamento é ainda maior visto que, por um lado, encontram-se inevitavelmente ligados aos filhos e, por outro, ainda ligados aos pais idosos, cada vez mais necessitados de ajuda...
E o anel no dedo? Quem nunca percebeu isso como uma bola e uma corrente, sentindo-se como aqueles presidiários do passado que tinham uma bola de chumbo no tornozelo?
Encontramo-nos assim, voluntária ou involuntariamente, mas na maioria das vezes involuntariamente, a armadilhar a vida do outro: o marido, a esposa, os filhos, a mãe, o pai, quaisquer outros parentes, até mesmo animais de estimação...
E o conhecimento? Não há dúvida de que é a ferramenta mais eficaz para a libertação, mas é igualmente verdade que pode facilmente transformar-se numa das cadeias mais pesadas. Todos sabemos como a educação e o conhecimento dissipam a ignorância que nos impede de ver a realidade pelo que ela é sem nos deixar à mercê do pensamento alheio.
Porém, o conhecimento pode gerar naqueles que o possuem uma atitude de orgulho e autossuficiência que é o pior que nos pode acontecer. Há pessoas que, acreditando saber tudo, não ouvem mais nada nem ninguém com autenticidade, exceto o suficiente para criticar o e assim exibir vitoriosamente seu poder intelectual. Com conhecimento corremos um grande risco de sermos arrogantes...
O trabalho? Mesmo por razões puramente económicas não se pode viver sem ele, mas quando se trabalha, muitas vezes acontece que se sente no lugar errado. Experimentamos a sensação desagradável de não sermos mais do que uma ferramenta, uma fruta que os outros espremem, ou até mesmo um escravo acorrentado...
É possível ter esta visão em todas as outras áreas da vida humana: a política, o desporto, a religião... Tudo o que verdadeiramente preenche a nossa vida é ao mesmo tempo motivo de prisão porque limita, e às vezes tira a liberdade.
Para soltar as amarras desta cilada e começar a vislumbrar o itinerário da libertação, é necessário uma atitude diferente e, em muitos aspetos oposta, à empreendida pela Modernidade. Esta teve que superar Deus para afirmar o Eu. Hoje o nossa atitude consiste em superar o Eu para voltar a afirmar Deus. É a única maneira de escapar a este destino, pelo menos na mente e no coração...
Podemos e devemos aprender tanto, tanto, mas tanto com João Batista:
«Apareceu um homem enviado por Deus, chamado João.
Veio como testemunha, para dar testemunho da luz, a fim de que todos acreditassem por meio dele.
Ele não era a luz, mas veio para dar testemunho da luz.»
Jo 1, 6-8