Imersos na Vida de Deus?

Crónicas 5 janeiro 2024  •  Tempo de Leitura: 4

«A fé não é, antes de mais, uma questão de escolher aquilo em que que se há de acreditar, como se alguém fosse um consumidor num supermercado espiritual, enchendo o carro de artigos religiosos para satisfazer as suas necessidades e preferências pessoais. A fé é a nossa resposta à espantosa descoberta de que fomos escolhidos. Paulo não pesou os argumentos prós e contra do Cristianismo e, em seguida, tomou uma opção amadurecida a favor de Jesus. Deus irrompeu brutalmente na sua vida e atirou-o ao chão.» 

Timothy Radcliffe, Imersos na Vida de Deus – Viver o Batismo e a Confirmação

 

Ultimamente tenho refletido sobre a forma como cada eu e cada um de nós vive a sua fé cristã. Gosto de analisar a forma como falamos sobre a nossa relação com Deus, a forma como entramos na Igreja e realizamos as nossas orações, a forma como falamos dos autores que nos ajudam no discernimento espiritual e, claro, a forma como retratamos a importância e o significado que Deus teve e tem nas nossas vidas.

 

E, antes de partilhar convosco a minha reflexão, gostava de esclarecer (e realçar) que aquilo que pretendo trazer nesta crónica não é um exercício de julgamento através daquilo que poderá ser, na minha ótica, as boas ou as más práticas da fé, mas sim um convite à reflexão e, acima de tudo, uma oportunidade de conseguir identificar a beleza de se viver em Igreja: a constatação da riqueza de se viver a fé de formas tão diversas!

 

Este excerto de Timothy Radcliffe veio aprofundar e dirigir o meu olhar para a minha reflexão. Vejo, tantas e tantas vezes, pessoas com imensa fé que dominam, como ninguém, os conhecimentos da Doutrina e da Palavra, mas que parecem desligados de Deus e do sofrimento humano. Como podemos estar imersos na Vida de Deus se as relações se baseiam num automatismo previsível? Como podemos estar imersos na Vida de Deus se a nossa fé apenas nos permite analisar a nossa vida e a dos outros de forma monocromática?

 

Vejo, tantas e tantas vezes, pessoas com imensa fé que dominam, como ninguém, os rituais e a liturgia, mas que parecem distantes e frios na relação com Deus e com as pessoas. Como podemos estar imersos na Vida de Deus se a nossa fé se alimenta apenas de rotinas programadas? Como podemos estar imersos na Vida de Deus se a nossa fé não percorre a verdadeira humanidade? Como podemos estar imersos na Vida de Deus se a nossa fé se baseia no cumprimento inflexível das normas?

 

Acredito, mais do que nunca, que precisamos de deixar que Deus nos irrompa e nos atire para o chão. Sim, precisamos que nos atire para o chão para abandonarmos todas as nossas certezas. Sim, precisamos que nos atire para o chão para encontrarmos as raízes da relação que se constrói com proximidade e intimidade. Sim, precisamos que nos atire para o chão para nos desarmarmos dos nossos julgamentos e preconceitos.

 

Talvez tenha chegado o tempo em que a fé seja para os que “adoram em espírito e verdade” e não os que andam à procura de encher “o carro de artigos religiosos para satisfazer as suas necessidades e preferências pessoais”.

 

Hoje, antes de te afirmares como pessoa de fé, questiona-te: o que preciso que Deus atire para o chão para que Ele irrompa brutalmente na minha vida? Vivo imerso na Vida de Deus ou ando à tona?

Nasceu em 1994. Mestre em Psicologia da Educação e do Desenvolvimento Humano. Psicólogo no Gabinete de Atendimento e Apoio ao Estudante e Coordenador da Pastoral Universitária da Escola Superior de Saúde de Santa Maria. Autor da página ©️Pray to Love, onde desbrava um caminho de encontro consigo mesmo, com o outro e com Deus.

 

Subscrever Newsletter

Receba os artigos no seu e-mail