Imersos na Vida de Deus?
«A fé não é, antes de mais, uma questão de escolher aquilo em que que se há de acreditar, como se alguém fosse um consumidor num supermercado espiritual, enchendo o carro de artigos religiosos para satisfazer as suas necessidades e preferências pessoais. A fé é a nossa resposta à espantosa descoberta de que fomos escolhidos. Paulo não pesou os argumentos prós e contra do Cristianismo e, em seguida, tomou uma opção amadurecida a favor de Jesus. Deus irrompeu brutalmente na sua vida e atirou-o ao chão.»
Timothy Radcliffe, Imersos na Vida de Deus – Viver o Batismo e a Confirmação
Ultimamente tenho refletido sobre a forma como cada eu e cada um de nós vive a sua fé cristã. Gosto de analisar a forma como falamos sobre a nossa relação com Deus, a forma como entramos na Igreja e realizamos as nossas orações, a forma como falamos dos autores que nos ajudam no discernimento espiritual e, claro, a forma como retratamos a importância e o significado que Deus teve e tem nas nossas vidas.
E, antes de partilhar convosco a minha reflexão, gostava de esclarecer (e realçar) que aquilo que pretendo trazer nesta crónica não é um exercício de julgamento através daquilo que poderá ser, na minha ótica, as boas ou as más práticas da fé, mas sim um convite à reflexão e, acima de tudo, uma oportunidade de conseguir identificar a beleza de se viver em Igreja: a constatação da riqueza de se viver a fé de formas tão diversas!
Este excerto de Timothy Radcliffe veio aprofundar e dirigir o meu olhar para a minha reflexão. Vejo, tantas e tantas vezes, pessoas com imensa fé que dominam, como ninguém, os conhecimentos da Doutrina e da Palavra, mas que parecem desligados de Deus e do sofrimento humano. Como podemos estar imersos na Vida de Deus se as relações se baseiam num automatismo previsível? Como podemos estar imersos na Vida de Deus se a nossa fé apenas nos permite analisar a nossa vida e a dos outros de forma monocromática?
Vejo, tantas e tantas vezes, pessoas com imensa fé que dominam, como ninguém, os rituais e a liturgia, mas que parecem distantes e frios na relação com Deus e com as pessoas. Como podemos estar imersos na Vida de Deus se a nossa fé se alimenta apenas de rotinas programadas? Como podemos estar imersos na Vida de Deus se a nossa fé não percorre a verdadeira humanidade? Como podemos estar imersos na Vida de Deus se a nossa fé se baseia no cumprimento inflexível das normas?
Acredito, mais do que nunca, que precisamos de deixar que Deus nos irrompa e nos atire para o chão. Sim, precisamos que nos atire para o chão para abandonarmos todas as nossas certezas. Sim, precisamos que nos atire para o chão para encontrarmos as raízes da relação que se constrói com proximidade e intimidade. Sim, precisamos que nos atire para o chão para nos desarmarmos dos nossos julgamentos e preconceitos.
Talvez tenha chegado o tempo em que a fé seja para os que “adoram em espírito e verdade” e não os que andam à procura de encher “o carro de artigos religiosos para satisfazer as suas necessidades e preferências pessoais”.
Hoje, antes de te afirmares como pessoa de fé, questiona-te: o que preciso que Deus atire para o chão para que Ele irrompa brutalmente na minha vida? Vivo imerso na Vida de Deus ou ando à tona?