A dificuldade de sermos quem somos
Um dos maiores desafios da nossa vida é descobrir quem somos. Para além do contorno físico e visível que o espelho nos oferece, onde mora a nossa raiz e a nossa essência? De que sonhos somos feitos? De que medos e de que expectativas?
A dificuldade de sermos quem somos é consideravelmente aumentada pelo que os outros julgam de nós. Ou nos julgam arrogantes, ou chicos-espertos, ou julgam que temos tudo controlado, que somos incríveis, que somos felizes e que temos tudo. Que somos ricos ou pobres. Generosos ou forretas. Mais do que termos atenção para escutar aquilo que pensamos sobre o que somos, parece-me que damos substancial importância ao que os outros dizem de nós. Mais ainda: ao que julgamos que os outros julgam de nós.
E a verdade é que é difícil isolarmo-nos dessas expectativas, desses contornos muitas vezes incompletos e baseados em informação pouco fidedigna.
É muito fácil cair na tentação de não reconhecermos o nosso valor. De julgarmos que não somos assim tão bons. Se não fiquei com o trabalho é porque sou incompetente. Se não me responderam é porque me ignoraram. Se a relação acabou é porque tenho algum problema. Se não consigo cumprir os meus objetivos é porque sou pouco. Talvez valha a pena refrasear, internamente, aquilo que nos vamos dizendo e em que vamos acreditando.
Aquilo que não nos acontece não depende sempre do nosso valor. Às vezes são razões que não alcançamos. Que não conhecemos. Que não vemos. E mesmo que não nos chamem, que não resulte, que não corra como esperado, que espécie de diálogo temos tido connosco para concluir que, caso corra mal, é porque não prestamos?
Aprende-se muita coisa na escola. Mas aprende-se pouco a cultivar o amor-próprio. A conhecer o que nos habita o espírito. Estamos todos muito preocupados em formar excelentes engenheiros, médicos, professores, técnicos. Mas somos todos analfabetos de nós. Não nos ensinam a gostar de nós. A perceber que o nosso valor mora para lá da opinião alheia. Seja essa opinião de quem for. Da família, do chefe, do amigo, do namorado, do primo ou do vizinho. O nosso valor tem de ser uma ilha. E só somos capazes de o reconhecer se investirmos num barquinho para lá chegar.
O problema é que continuamos a deixar afundar o nosso barco enquanto os barcos dos outros passam a afundar o nosso. Mas a verdade é que só o nosso barco nos pode levar ao que somos.