Descer do palco do fingimento. Deixar cair a máscara!
Que assombro de sensatez!
Estava em viagem e a minha companhia era o Papa Francisco e a sua homilia de quarta-feira de cinzas. Que honestidade! Que realismo!
O Sumo Pontífice recordou que a Quaresma mergulha-nos num banho de purificação e despojamento: ajuda-nos a retirar toda a maquilhagem, tudo aquilo de que nos revestimos para brilhar, para aparecer melhores do que somos:
«A vida não é um teatro e a Quaresma convida-nos a descer do palco do fingimento e regressar ao coração, à verdade daquilo que somos».
Voltar ao essencial! Assim percebemos que a oração, a esmola e o jejum não são três exercícios independentes, mas um único movimento de abertura, de esvaziamento. Não são um fim em si mesmo, mas caminho.
Já em 2021, Francisco dizia-nos que a Quaresma é um caminho de regresso, a fazer com todo o coração. Sem adiar. De iniciar de imediato! É uma viagem que envolve toda a nossa vida, todo o nosso ser. É o momento de verificar os caminhos que estamos a percorrer e de encontrar o caminho que nos leva a casa. Redescobrir o vínculo fundamental com Deus, do qual tudo depende. «A Quaresma não é uma recolha de Fioretti (seleção dos episódios mais significativos da vida), é discernir para onde o coração está orientado».
A Quaresma é este tempo favorável para regressar ao nosso verdadeiro eu e apresentá-lo diante de Deus tal como é, nu e sem disfarces. Tomar consciência daquilo que realmente somos, tirando as máscaras que tantas vezes usamos no nosso quotidiano para impressionar.
O Santo Padre, na passada quarta-feira, sublinhou que o gesto de receber as cinzas visa reconduzir-nos à realidade essencial de nós mesmos: somos pó, a nossa vida é como um sopro, mas o Senhor, Ele e só Ele, não deixa que ela desapareça.
Enquanto continuarmos a disfarçar-nos com «a máscara das aparências, a exibir uma luz artificial» para nos mostrarmos invencíveis, permaneceremos no vazio, no sem sentido da vida que termina com a morte.
A oração, a esmola e o jejum são gestos que expressam a tensão do coração, o desejo de voltar para Deus. Este despojamento, este deixar cair a máscara, este desejo de me voltar para Deus, concretiza-se numa ascese da vida quotidiana: espaço de oração, de gestos de solidariedade, de desapego de hábitos ou estilos de vida que criam vícios... Porque somos pó. A vida é um sopro.
Uma Santa Quaresma!
p.s.: Quero prestar a minha pública homenagem ao Padre Manuel Gonçalves Peixoto, Missionário Monfortino, que ontem foi a sepultar. Foi um dos grandes que me ensinou a viver sem máscaras, sem papas na língua. Que uma pessoa não precisa de engraxar ou de ser engraxado, mas de fazer o seu caminho com a consciência serena de que cairá e que se erguerá e que o politicamente correto é para quem tem problemas de afirmação. Foi um homem e sacerdote de profundas convicções, de grande espiritualidade e oração e de proximidade aos mais pobres. Descanse em paz.