A Páscoa começa ainda no escuro...

Crónicas 2 abril 2024  •  Tempo de Leitura: 4

Estamos numa madrugada de primavera, talvez no ano 30 depois de Cristo. Um grupo de discípulas corre ao túmulo de Jesus para completar os ritos fúnebres, que foram interrompidos na noite de sexta-feira devido ao descanso sabático.

 

«No primeiro dia da semana, Maria Madalena foi ao túmulo pela manhã, quando ainda estava escuro, e viu que a pedra havia sido retirada do túmulo».  Jo 20,1

 

A descoberta é desconcertante! O túmulo está vazio e preserva vestígios de um morto que já não está presente.

 

Abrir parêntesis:

 

É surpreendente que os Evangelhos atribuam essa descoberta às mulheres e não aos discípulos. Estamos perante um facto histórico genuíno: nunca se inventaria uma narrativa destas, porque para a antiga lei semítica o testemunho feminino não era válido. As mulheres eram incapazes; não estavam capacitadas para esta função.

 

Fechar parêntesis.

 

Mas, como viver Páscoa hoje? Como falar Páscoa hoje? Como transformar o hoje em Páscoa? O Papa Francisco dizia-nos na mensagem “Urbi et Orbi” deste domingo de Páscoa que «ainda hoje, pedras pesadas, demasiado pesadas, fecham as esperanças da humanidade: a pedra da guerra, a pedra das crises humanitárias, a pedra das violações dos direitos humanos, a pedra do tráfico de seres humanos, e outras».

 

Pois... Mas a Páscoa começa ainda no escuro, quando se tem a impressão de que a Sexta-Feira Santa é infinita. A Páscoa começa quando decides partir naquela escuridão com a esperança no coração de que algo vai acontecer. A Páscoa é esta Maria Madalena que vagueia naquele lugar de dor sem ainda se ter apercebido de que tudo mudara. A Páscoa é a ausência do corpo do crime, é uma pedra retirada, um túmulo vazio. 

 

Estamos tão ansiosos que percebemos o mundo como um navio à deriva amedrontado, desesperado. Dominados por esses sentimentos negros, é lógico que o nosso coração se encolha e que nos relacionemos com os outros apenas segundo o nosso interesse, o olhar ganancioso, frio, calculista: voltamos ao estado de coletores-caçadores, mas já sem espanto original. Acredito, no entanto, que a tarefa do pensamento cristão é opor-se a esta ansiedade e a este desespero. Precisamos voltar a cultivar a esperança e a fé.

 

É uma atitude racional? Não, não é.

 

Como todas as coisas existencialmente importantes na vida, a escolha pela esperança não é racional. O mesmo vale para o amor, a amizade, a paixão, o entusiasmo, o desejo, a inspiração. Nenhuma dessas áreas vive apenas da razão. Irracional, porém, não significa necessariamente falso, porque a verdade nem sempre coincide com o que é racional, mas pode ser apreendida e definida pela razão. Pelo contrário, é o rigor que coincide com o racional, mas a verdade é mais do que o rigor: é também força, energia, ímpeto, paixão, crença...

 

Para Isidoro de Sevilha, estudioso do século VII especialista em etimologias, o termo latino “spes” vem de “pes”, pé. Fundamentada ou não, a etimologia é sugestiva: a esperança é o que faz caminhar pela vida. Sem esperança não podes andar. A esperança, na verdade, é performativa: é preciso ter esperança para alcançar algo, alguma coisa...

 

Uma Santa Semana Pascal.

Licenciado em Teologia. Professor de EMRC. Adora fazer Voluntariado.

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