Comunidade apreendedora

Crónicas 11 abril 2024  •  Tempo de Leitura: 5

Desde que temos computadores pessoais, o mundo cresce na quantidade e qualidade das interfaces digitais que permeiam muitos dos ambientes onde vivemos. E um desses ambientes é a escola.



O ser humano não só vê a três dimensões (3D) como existe em 3D. As dimensões física, mental e espiritual. E enquanto nas escolas se trabalha bem a dimensão física, e (mais ou menos) bem a mental, parece-me que a dimensão espiritual tem sido esquecida e remetida para a esfera privada das famílias. Como se poderia desenvolver a aprendizagem usando a dimensão espiritual nas escolas, independentemente da experiência religiosa, ou ausência da mesma, de cada um?


Voltemos às interfaces. Nas escolas, torna-se cada vez mais comum haver uma balbúrdia dentro da sala de aula, enquanto se experimenta o silêncio fora da sala porque mais jovens optam por se voltar para a interface digital dos seus smartphones. O traço comum subjacente às duas situações é a experiência da desconexão. Dentro da sala de aula, desconectam-se da disciplina. Fora da sala de aula, desconectam-se da presença uns dos outros. Felizmente, nem todas as escolas vivem este drama da desconexão, mas a sua explicação penso que esteja no esquecimento de que a dimensão espiritual faz parte da aprendizagem em ambiente escolar. Os alunos precisam de uma interface espiritual e essa seria a criação de um ambiente de aula em que o aluno se sentisse parte de uma comunidade apreendedora.


A desconexão da aprendizagem reflecte uma desconexão do próprio coração relativamente ao que se aprende. E não são apenas os alunos que experimentam isto, mas também os professores quando se esquecem ao longo da sua carreira que nas fronteiras da vida intelectual, a noção de comunidade apreendedora tornou-se indispensável para descrever o terreno onde educadores e educandos habitam.
A resistência que muitos alunos sentem a pensar deve-se à fragilidade dos nossos relacionamentos. Enquanto a disposição relacional entre educador e educandos for semelhante a uma linha com um só sentido, ou seja dos alunos a prestar atenção ao professor, perde-se o valor da necessidade do professor prestar também atenção aos alunos para estabelecer um relacionamento que seja recíproco. O conhecimento não é comida a enfiar na boca cognitiva do aluno, mas uma viagem de descoberta pela realidade que nos precedeu, que se vive e na qual assenta o que viveremos ao longo do nosso percurso. Se o conhecimento ou saber fosse apresentado como um modo de construir a nossa comunidade apreendedora, levaríamos cada jovem a fazer uma experiência da dimensão espiritual que o constitui e ele sentir-se-ia mais atraído para a grande aventura da aprendizagem.


A vida atarefada de muitos educadores e educandos leva-nos a pensar que não existe tempo a perder com a revisão do modo como dispomos o ambiente apreendedor, o modo como ensinamos ou aprendemos, e o acompanhamento dos relacionamentos que adultos estabelecem com os jovens. Um professor pode estar diante de um grupo de jovens apreendedores com quem irá interagir apenas durante um ano, logo, que motivação existe para criar uma comunidade apreendedora nestas condições tão transitórias? Falta um propósito.


O conhecimento não emerge tanto dos livros como emerge do amor. O conhecimento que emerge do amor reunifica e reconstrói pessoas e mundos quebrados pelo drama da desconexão disfarçada pelas conexões digitais. O conhecimento que emerge do amor transforma quem ensina e quem aprende para o resto da sua vida. Como professor universitário, todos os anos aprendo algo novo e sinto-me espiritualmente transformado com isso. Só reconciliando cada pessoa com o mundo através da vivência da dimensão espiritual construída pelo sentido oferecido por uma comunidade apreendedora, poderemos compreender como o acto de conhecer deve tornar-se num acto de amor. Um acto em que entramos e abraçamos a realidade do outro, jovem ou professor, permitindo ao outro que entre e abrace a realidade que somos nós. Na experiência de uma comunidade apreendedora, o ensino torna-se vida.

 


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Aprende quando ensina na Universidade de Coimbra. Procurou aprender a saber aprender qualquer coisa quando fez o Doutoramento em Engenharia Mecânica no Instituto Superior Técnico. É membro do Movimento dos Focolares. Pai de 3 filhos, e curioso pelo cruzamento entre fé, ciência, tecnologia e sociedade. O último livro publicado é Tempo 3.0 - Uma visão revolucionária da experiência mais transformativa do mundo e em filosofia, co-editou Ética Relacional: um caminho de sabedoria da Editora da Universidade Católica.
 
 
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