A caridade é acima de tudo um modo de ver...
No sábado passado, veio a público a notícia de um grupo organizado que protagonizou vários ataques contra imigrantes residentes na cidade do Porto.
Quem tem a coragem do Evangelho, não pode ficar impávido e sereno! Quem alicerça a sua vida em Jesus Cristo, deve ser o grito e a palavra de quem não pode gritar ou falar. O cristão não pode ficar indiferente a um irmão migrante que foge da guerra, da perseguição e da fome. O cristão não pode ficar de braços cruzados perante aquele que enfrenta jornadas intermináveis e desumanas, sofre humilhações e violência inimagináveis...
Se é verdade que estar juntos é desafiador e às vezes cansativo e complexo, também não deixa de o ser, que tal é possível e construtivo. Somente a arte paciente da aceitação mútua pode manter-nos humanos e realizar-nos como pessoas.
Sem qualquer ingenuidade, porque há riscos, e existem problemas, mas com a convicção de que uma solidariedade eficaz e bem organizada pode enriquecer a nossa história enquanto país e, a longo prazo, também a nossa situação económica e social.
As instituições governamentais, mas também qualquer cidadão, e se cristão ainda mais, devem procurar garantir a dignidade destes seres humanos, e contribuir para a sua total integração, protegendo a eles e à restante comunidade, do aparecimento do racismo ou de uma mentalidade que os considera apenas um obstáculo ao bem-estar dos nacionais.
E por que é que os cristãos devem fazê-lo de uma maneira especial? O Evangelho.
Para um crente, antes mesmo da relação caridade/justiça está a relação caridade/fé. Para um cristão, fazer o bem é seguir o Deus de Jesus Cristo.
Quem é o migrante para mim: um estrangeiro que não tem nada a ver com a minha vida? Um inimigo que pode colocar meu futuro em risco? Uma pessoa necessitada que precisa ser ajudada? Ou um filho de Deus como eu, que pede a cada um de nós que seja tratado pelo que somos na fé, isto é, irmãos?
«É preocupante o aumento, em muitas partes do mundo, da indiferença egoísta, segundo a qual só se interessa pelo que é conveniente para si: a vida é boa se for boa para mim e quando algo não está bem, a raiva e a malícia desencadeiam-se. Isto prepara um terreno fértil para o individualismo e o populismo que vemos ao nosso redor. O ódio está a crescer rapidamente nesses terrenos.»
Papa Francisco, audiência à delegação do “Centro Simon Wiesenthal” a 2 de Janeiro de 2020.
A caridade não é apenas um modo de fazer, mas é acima de tudo, um modo de ver. Não nos diz o Evangelho que a caridade consiste em ver Jesus no pobre e acolhê-lo como Sua Imagem? Poderei fazer pouco por esse ser humano, mas pelo menos terei reconhecido nele o máximo da dignidade humana que é a imagem e a filiação divina.
Não estava escrito no anel dado a Oskar Schindler: "Quem salva uma vida, salva o mundo inteiro.”?