Ganhar também é perder

Crónicas 3 julho 2024  •  Tempo de Leitura: 2

Perdemos muito quando só queremos ganhar. Quando a visão se tolda para direções esguias e cheias de fumo. Quando nos julgamos os melhores de todas as ruas mesmo que nelas só exista a nossa casa. Quando acreditamos que estamos acima de todas as leis mais ou menos divinas.

 

Ganhar é fácil. Acende-se uma chama pequenina de vaidade e de orgulho que, às vezes, se pode confundir com arrogância. É difícil seguir humilde quando o sucesso e o dinheiro vão sendo maiores do que esperaríamos, alguma vez, alcançar e ter.

 

Aquilo que ninguém nos ensina é a perder. A saber onde colocar a vergonha e a tristeza de nos terem sido varridas as expectativas e as alegrias esperadas. Ninguém nos diz o que fazemos quando temos de assumir uma falha que pode mexer connosco e com os outros.

 

Vivemos num mundo que está feito para quem ganha. Para o sucesso e para a riqueza. Para o Bem e para o Bom. O que é feio é que ninguém quer ver. Assobia-se para o lado quando começa a doer mais ou quando a dor do outro parece já estar a tocar-nos nos calcanhares.

 

É difícil dar a mão a quem perde. Mas é necessário e é urgente. Tal como dar a mão a quem erra, a quem falha e a quem sofre.

 

Nem sempre sabemos o que fazer com a dor do outro.

 

Incomoda-nos. Faz-nos perceber que também podemos estar naquele lugar e faz-nos querer fugir e escapar. Porque é exatamente isso que fazemos com a nossa própria dor: fugir-lhe e escapar-lhe.

 

No entanto, a dor tem memória ainda que a queiramos esquecer. Guarda-se no corpo escondida, sem sinais de barulho ou de grandes impactos. Mas fica. E regista-se em cada uma das nossas células até termos a coragem de a ver e de a assumir como nossa.

 

Todos queremos ser vistos. E a dor (a nossa e a dos outros) não é exceção. Quando é vista a dor encolhe, diminui e assume o lugar e o tamanho que tem.

 

Dá-nos muito trabalho lidar com tudo o que implodimos e guardamos. Mas dar-nos-á muito mais trabalho lidar com aquilo que escolhemos não ver por tempo indeterminado.

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Marta Arrais

Cronista

Nasceu em 1986. Possui mestrado em ensino de Inglês e Espanhol (FCSH-UNL). É professora. Faz diversas atividades de cariz voluntário com as Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus e com os Irmãos de S. João de Deus (em Portugal, Espanha e, mais recentemente, em Moçambique)

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