Planeta Precisa

Crónicas 21 novembro 2024  •  Tempo de Leitura: 6

A crise climática que enfrentamos é uma realidade que já não pode ser ignorada. Em cada conferência, como na COP29 a decorrer até 22 de novembro no Azerveijão, ouvimos discursos eloquentes e promessas ambiciosas, mas, ano após ano, testemunhamos a desconexão entre as palavras e as acções. A atmosfera aquece, os mares sobem, a biodiversidade perde-se, e os desafios para as gerações futuras tornam-se cada vez mais difíceis de lidar. Contudo, embora estejamos num momento crítico, a narrativa de inevitabilidade não deve conduzir-nos à passividade.


As Conferências das Partes têm sido marcos importantes para a criação de consensos globais. Desde o Protocolo de Quioto em 1997 ao Acordo de Paris de 2015, foram tomadas decisões históricas, com metas claras de mitigação e adaptação. No entanto, os resultados revelam falhas de implementação. As emissões globais continuam a aumentar, o limite de 2°C parece cada vez mais inalcançável, e o financiamento prometido para ajudar os países em desenvolvimento mal atingiu 10% do esperado ao fim de quase 25 anos desde o nascimento do Fundo Verde para o Clima no COP16 de 2010.


Este ciclo de promessas não cumpridas e falta de acções concretas não é apenas um erro de planeamento, mas um reflexo de prioridades desalinhadas e de uma estrutura global que, em muitos casos, ainda coloca os lucros acima do respeito pela Casa Comum. A presença massiva de lobistas de combustíveis fósseis nas COPs, por exemplo, indica como os interesses económicos frequentemente anulam as acções necessárias para o bem comum.


Mas como alterar este paradigma? Como transformar o “mais do mesmo” em “melhor com menos”?


A resposta está em abordar a crise climática de forma integrada e relacional, reconhecendo que esta não é apenas um problema técnico, mas um desafio social, ético e espiritual. Existem quatro mudanças práticas podem induzir transformação da palavra em acção.


Compromisso político verdadeiro: Já não há tempo para discursos vazios. Os líderes precisam de assumir a crise climática como uma prioridade central, resistindo à pressão de interesses económicos de curto prazo. Os compromissos devem estar vinculados a mecanismos de responsabilização claros e transparentes.


Financiamento justo e eficiente: Para os países vulneráveis, a falta de recursos inviabiliza acções de adaptação e mitigação. O Fundo Verde para o Clima, por exemplo, precisa de ser mais do que uma promessa; deve ser efectivamente financiado e tornado acessível.


Integração de políticas climáticas: Acções isoladas não serão suficientes. O combate às alterações climáticas deve ser transversal, integrando áreas como os transportes, a energia, a agricultura e a educação em estratégias nacionais coesas e coerentes.


Transformação local: Cada um de nós, como cidadão, tem um papel essencial. Desde as escolhas de consumo que fazemos até à pressão política que exercemos, qualquer acção individual pode amplificar-se quando unida a movimentos coletivos.


No entanto, por mais importantes que sejam estas medidas, há uma dimensão que frequentemente fica de fora das discussões climáticas: a espiritualidade. A crise climática não é apenas um desafio físico, mas um reflexo da nossa desconexão com o mundo natural, com os outros e, muitas vezes, connosco mesmos.


A espiritualidade, longe de ser uma abstracção, pode ser a força que transforma a crise numa oportunidade. Quando reconhecemos que somos parte de um todo interdependente, as nossas ações ganham um novo sentido e significado. Respeitar o relacionamentos que fazem do planeta a beleza de diversidade que esse é, deixa de ser uma questão de sobrevivência e torna-se no reflexo de cada acto de amor e gratidão. Mudar hábitos deixa de ser um sacrifício e torna-se numa expressão de cuidado por algo maior do que nós.


Esta visão não se limita a tradições religiosas específicas. Trata-se de cultivar um sentido de pertença, de compreender que cada escolha, por menor que pareça, tem repercussões que ultrapassam o presente e o indivíduo. Quando agimos com consciência, activamos um ciclo virtuoso que inspira outros e repercute-se nas esferas social, política e ambiental.


Portanto, enquanto as decisões globais continuam a enfrentar desafios, há um espaço infinito de possibilidades naquilo que cada um de nós pode fazer, agora. As acções locais através dos nossos relacionamentos, enraizadas num compromisso espiritual com a vida profunda, podem ser a semente de mudanças maiores. Não podemos controlar tudo, mas podemos ser responsáveis pela parte que nos toca, e essa responsabilidade pode ser o ponto de viragem que o planeta precisa porque somos já a maior força que altera, literalmente, a face do planeta.


Se a crise climática é um teste para a nossa geração, a resposta deve ir além da tecnologia e da política. Precisa de nascer de um lugar de conexão profunda com o que realmente importa: a vida em todas as suas formas, o presente que partilhamos e o futuro que criamos a partir de cada passo que damos. Por mais pequenos ou grandes que sejam esses passos, o planeta precisa.

 


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Aprende quando ensina na Universidade de Coimbra. Procurou aprender a saber aprender qualquer coisa quando fez o Doutoramento em Engenharia Mecânica no Instituto Superior Técnico. É membro do Movimento dos Focolares. Pai de 3 filhos, e curioso pelo cruzamento entre fé, ciência, tecnologia e sociedade. O último livro publicado é Tempo 3.0 - Uma visão revolucionária da experiência mais transformativa do mundo e em filosofia, co-editou Ética Relacional: um caminho de sabedoria da Editora da Universidade Católica.
 
 
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