O tempo que perdemos
Não sei se serei a única, mas tem-me sobrado uma sensação de não conseguir ter dias plenos. É como se a maioria das horas fossem passadas num rastilho que parece queimar demasiado depressa. Para chegar a algum lado de carro é preciso tempo, paciência e uma gestão de emoções correspondente à de um monge tibetano.
Na cidade chegamos a demorar uma hora e meia para fazer dez quilómetros. E é aqui que entra a minha (e a nossa) criatividade e exploração da dimensão do mundo dos sonhos. Os pensamentos sucedem-se:
“mas porque vim eu por aqui?” ou “devia ter ficado em casa”
Ou ainda “não devia ter vindo”; “que perda de tempo inacreditável”
E, quando chegamos finalmente ao destino, passaram-se horas, momentos de stress injustificados (mas reais) e mais umas quantas más palavras pela cabeça.
Quando foi que tudo ficou tão difícil? Quando foi que perdemos as rédeas da nossa própria vida para estarmos reféns de um tempo que não existe?
Um monge tibetano diria: se estiveste duas horas no trânsito, alegra-te. É porque tens carro.
Ainda que esta perspetiva seja quase humorística, nem sempre tem muita piada. E a sensação de não sermos realmente donos do nosso tempo adensa-se. Ou é uma reunião que se prolongou sem perspetiva de final. Ou um grupo de whatssap que se incendiou com pedidos mais ou menos sociais ou profissionais. Ou são os posts repetidos de formas diferentes pela imprensa e que teimamos em ler duzentas vezes, fazendo um scroll repetitivo e interminável.
Tudo nos adia da nossa própria realidade interna. Tudo nos afasta ainda mais uns dos outros, ainda que as interações à distância de cliques sejam mais abundantes do que a chuva dos últimos dias.
Temo-nos esquecido de nos colocar em primeiro lugar. De dizer que hoje não porque temos um compromisso connosco. De dizer não quero. Não vou. Não me apetece. Não vou querer saber. A priorização do nosso tempo e o autocuidado é visto como falta de empenho e de motivação.
Tenho vindo a deixar de me importar com o que os outros acham e pensam. E tu?