Podemos chorar o Papa?
No Evangelho, Jesus abeira-se dos pecadores, come e bebe com os cobradores de impostos, dá-se com prostitutas, cura ao sábado, escandaliza os sábios e está com os pobres e desfavorecidos. A sua vida é dinâmica, impossível de ser reduzida à estática sem vida da dogmática religiosa. Jesus é um excesso que ama a vida.
É o mesmo excesso que encontramos no Papa Francisco. O seu pontificado marcou, desde a escolha do seu nome, uma profunda rutura na linguagem da Igreja. A sua voz nunca foi a de um soberano que conduz o seu povo com mão firme ou que defende com competência teológica a autoridade incontestável dos dogmas da Igreja, mas a de um pastor que suja as mãos, que se curva sobre as misérias humanas sem nunca pegar no cajado desumano da condenação.
Numa época em que o discurso religioso corre o risco de se transformar numa identidade perigosa, em que a fé se endurece numa ideologia, semeando a morte, a guerra e a destruição, o Papa da misericórdia recorda-nos que o coração do cristianismo não é a defesa de uma fortaleza vazia, mas o movimento de sair de si mesmo, do encontro, do impacto por vezes difícil com o outro, que é diferente de mim.
Este é o verdadeiro escândalo franciscano: um Papa que rejeita a veste do juiz implacável para vestir as roupas do próximo, daqueles que realmente nos são próximos.
Francisco não é o Papa da Lei e do medo, mas da Graça e da salvação imerecida que ela torna possível. Por estas razões, no seu pontificado, a palavra-chave é a palavra misericórdia. É a mensagem radical de Jesus que, citando o profeta Oseias, afirma: «Vão aprender o que significa isto: “Desejo misericórdia, não sacrifícios”. Pois eu não vim chamar justos, mas pecadores.» (Mt 9,13).
Não se trata de uma simples exortação moral, mas do uso adequado da Lei. O perdão e o amor, rompe com o carácter punitivo da Lei para abrir o espaço a um novo recomeço.
Como ensina a parábola do Bom Samaritano, a fé não é a adesão a um dogma, mas a cura de uma ferida. É a imagem da Igreja como hospital de campanha. Francisco é um Papa que sabe tocar, abraçar, sorrir e mostrar a sua fragilidade sem reservas. É também o seu estilo de falar, a sua forma coxa de caminhar, os seus gestos fraternos, o seu sentido de humor alegre.
Atualmente é a imagem do seu próprio corpo doente, constantemente equilibrado entre a vida e a morte, que se tornou um símbolo de proximidade e intimidade.
Podemos chorar o Papa, esteja ele doente ou incompreendido? É correto rezar para que o Senhor o guarde para nós? Afinal, é uma pessoa velha e sofredora...
Claro que se pode, aliás, deve-se. Nos ombros de Francisco estamos todos, crentes e não crentes. Ninguém mais do que ele deseja a paz para esta pobre e maltratada humanidade. Ninguém mais do que ele o implora junto de Deus.
Uma Santa Quaresma.