«Somos peregrinos na terra»
Esta última semana foi marcada por "partidas". Já a minha crónica anterior centrou-se na morte de D. António Francisco Dos Santos, bispo do Porto.
Este último sábado, enquanto celebrava a partida de uma jovem para Londres com o objetivo de estudar, filha de uns amigos, chegava-me a notícia da morte do meu primeiro mecânico. Já era ele que "metia a mão na massa" no automóvel do meu pai. Havia, da minha parte, como que uma certa "paternidade" baseada numa confiança extrema no seu trabalho e na sua palavra. Um choque, apesar de o saber bastante doente.
Nos meus pensamentos recordei a frase que já Lutero viu na fachada da Câmara de Comércio de Erfurt, capital da Turíngia, Alemanha: “Ineuntes, exeuntes, peregrinamur in terris”. Quanta simplicidade na afirmação da verdade: "Entramos, saímos, somos peregrinos na terra". É uma descrição bastante objetiva da vida humana. Serve para chamar-nos à atenção acerca da nossa fragilidade e finitude e, assim, preparar a nossa morte ou a morte de alguém próximo e amado.
Perceber o conceito de "peregrinação" pode ajudar-nos a melhor compreender esta realidade. As peregrinações mais conhecidas levam-nos à Idade Média. Pensemos em Santiago de Compostela ou na Terra Santa. Naquela altura viajar a pé e por caminhos ou campos era arriscado. Podia-se ser assaltado; cair doente; passar fome... O peregrino além de colocar a própria vida em perigo, não podia transportar consigo muitos bens. "Transformavam-se em toneladas" que dificultavam a caminhada.
O nosso grande problema perante a morte está na ideia que temos de vida terrena. Acumulamos bens e objetivos, como se vivêssemos eternamente aqui. Mas a vida não é assim. Viver implica experimentar a imperfeição, o erro, a doença, o fim. Nunca nos preparamos para o fim! Escondemos esse fim! Escondemos a fragilidade. Imaginámo-nos super-homens e super-mulheres! Colocamos no Instagram as melhores fotos; no Facebook as melhores histórias; no Twitter as melhores notícias... Pretendemos "esconder" sempre o lado "pior" da vida. Da nossa vida ou daquelas que amamos...
Não ter consciência da morte revela que levamos uma vida muito inconsciente. Como consequência perdemos a capacidade de enquadrá-la no nosso horizonte.
Se morrer é natural, também é natural que haja uma "revolta interior" contra este destino. Os filósofos falam no grito que surge nos abismos ontológicos do nosso coração, ou seja, no nosso interior há um desejo de eternidade e infinito que lutam contra a morte e a finitude. Para o cristão ou qualquer outro crente, esse grito "está" na ressurreição.
A fé ajuda-nos a atenuar esse sofrimento e o pensamento na morte durante a vida. Ajuda-nos a relativizar as coisas deste mundo e ir ao essencial. Ajuda-nos a sermos mais humanos, necessitados de Deus, e vivermos a nossa vocação de filhos. Que bom que, com serenidade perante a nossa morte ou de quem amamos, pudéssemos dizer como Simeão:
«Agora, Senhor, deixai o vosso servo ir em paz, segundo a vossa palavra. Porque os meus olhos viram a vossa salvação que preparastes diante de todos os povos,
como luz para iluminar as nações, e para a glória de vosso povo de Israel.»
Uma santa e serena semana.