Com o coração nos pés!
Falta-me o que nunca tive e tenho saudades do que nunca foi meu.
Trago tesouros poisados dentro do peito mas não consigo pousar em lugar algum.
A minha cabeça desenha castelos e árvores gordas mas o meu coração não tem casa nem sombra para sossegar.
A minha voz apregoa lutas e mudanças mas a minha vida secou de novidades e de garra.
As minhas palavras são fortes e velozes mas os meus braços estão caídos e pendurados em tudo o que podia ter sido e não fui.
Falta-me a calma do céu azul e o atrevimento que tem a boca de uma tempestade.
Trago memórias de lugares onde não sei se fui e de pessoas que não sei se conheci.
A minha vontade traça caminhos perfeitos e os meus pés tropeçam nas minhas próprias falhas.
A minha vida quer apregoar bondades mas, muitas vezes, apregoa sustos e distâncias.
As minhas coragens querem passar-me à frente e tomar conta do meu futuro mas eu prefiro as cobardias velhas.
Falta-me cortar os males pela raiz e pisar as sementes que já não vão dar fruto.
Falta-me calçar os sapatos à alma e pô-la a caminho. Falta-me dizer que quem manda sou eu. Que quem leva o leme sou eu. Falta-me apertar os atacadores dos meus dias com a força de quem marca, sem ferir. Falta-me a pressa de chegar ao meu lugar. Falta-me a inconsciência de quem não quer saber o que vem a seguir.
E sabes o que também me falta?!
Falta-me agradecer o que já é meu. O que sempre tive e nunca me foi tirado. O que recebi sem ter dado. O que ganhei sem qualquer esforço. Falta-me dar graças pelas vezes em que a vida bateu certo sem me pedir nada em troca. Pelos dias em que ousei despedir-me do que era velho e (já) não era meu para começar outra vez.
Falta-me ter vergonha das vezes em que não soube olhar para as bênçãos que o Céu me dá para colecionar.
Falta-me levantar a cabeça e deixar de ter o coração nas mãos a cada passo. A cada dia. Falta-me dividir o coração ao meio e colocar uma metade em cada pé. Para que o meu coração ande comigo para onde eu for.