A decisão mais difícil que tive de tomar na minha vida até hoje foi a saída do seminário. O leitor habitual das minhas crónicas saberá que estive durante alguns anos num caminho vocacional na Congregação dos Missionários Monfortinos. Aliás, considero-os a minha segunda família a quem, passados 20 anos, continuo profundamente agradecido. Saí durante o 5º ano dos estudos Teológicos. E por que volto a esta questão? Porque terminou este domingo a Semana Nacional dos Seminários.

O seminário - local onde se descobre, se forma e se vive a vocação sacerdotal, diocesana ou consagrada - será sempre um tema que me envolve "visceralmente". Refletindo sobre o meu percurso, consigo compreender que a vocação é uma semente que vai crescendo paulatinamente, seja sacerdotal/consagrada, seja laical. Recordo e confirmo que, ao ter entrado para o seminário com apenas 11 anos, não sentia essa semente. Foi algo que fui questionando ao longo dos anos num diálogo franco com o diretor espiritual e com a minha família. Passei por crises. Até de fé, quando confrontado com um problema de saúde que deixou marcas... No entanto, a minha saída deveu-se a uma questão de "paz interior" que não encontrava, mas que não colocou em causa a fé em Deus Misericordioso. Era tempo de viver a vida laical...

Foi uma decisão dolorosa que até consigo calendarizar em, sensivelmente, ano e meio. Doloroso porque ainda hoje sinto um carinho especial por todos os anos que ali passei. Ali encontrei tantas vezes aquela paz que procuro nos meus dias. Tantas vezes senti o amor de Deus nos gestos das pessoas, formadores ou colegas. Tantas vezes ouvi Deus na gente a nós confiada, seja pela oração, seja pela assistência espiritual ou material. Tantas vezes encontrei tempo para a oração... O seminário tem ou deve ter essa capacidade de nos reportar ao essencial.

"Fazei tudo o que Ele vos disser." O tema deste ano é um apelo aos seminaristas para a importância da oração. Para fazer o que Jesus quer é preciso ouvi-Lo. Uma das maiores críticas que se fazem aos sacerdotes é a de que "abandonaram" a oração. Vemos isso no empenho que alguns colocam nas obras e afazeres paroquiais. Alguns até parecem empresários, doutores, gestores, para não falar em vaidosos, bonacheirões, egoístas e egocêntricos. São palavras duras, mas...

Tudo isto porque falta a oração. Rezar sempre foi uma ação complexa para o ser humano. A oração coloca-nos numa atitude frágil perante Deus. Geralmente, é a atitude humilde de pedir ajuda. Hoje, num mundo onde cada um é educado a caminhar por si, sem ajuda ou sem demonstrar fragilidade, fraquejar ou mostrar debilidade é sinal de incompetência... A oração é um encontro connosco antes de ser com Deus. A oração leva-nos ao encontro da nossa realidade, confrontando-a com Deus e a vocação a que fomos chamados. Por isso é que só se pode estar bem com o mundo que nos rodeia quando se tem consciência de si mesmo. A espiritualidade não é nada mais do que isto: comungar Deus na nossa vida interior. As consequências desta ação far-se-ão exteriores a nós.

A semana terminou no Dia Mundial dos Pobres: «Não amemos com palavras, mas com obras». Creio que o maior testemunho para um jovem e para um seminarista está no trabalho diário de quem reza e serve Jesus num pobre. Quando no inicio desta crónica, escrevi sobre a decisão dolorosa que tomei, referia-me a isto. Tive a sorte de encontrar na minha formação padres que dedicavam a sua vida aos pobres. As suas palavras não me lembravam aquela frase, sobejamente conhecida, de "Frei Tomás": "Olha para o que ele diz e não para o que ele faz!". Bem pelo contrário. Aqueles formadores holandeses que passaram pela 2ª Guerra Mundial, sempre se preocuparam que a sua vida fosse obra das suas palavras. E isto estava tão enraizado, que os formadores portugueses lhes seguiam o exemplo.

Hoje temos tantas formas de pobreza. A pobreza material não é a única. Numa sociedade dita de evoluída temos outras bem mais "perigosas": a pobreza das relações, dos encontros e dos afetos. E é aqui que os seminários e os sacerdotes podem fazer a diferença. É triste quando vejo tanta inveja, tanta maledicência, tanto egoísmo no meio dos sacerdotes e consagrados. Sentimentos esses tantas vezes tidos entre pares; entre eles... Se assim vão os pastores, como é que irão as ovelhas?!...

Os seminários têm que ser estes faróis que irradiam as boas práticas. Se os nossos seminaristas; se os nossos formadores; se os nossos padres, ouvirem Jesus... Farão tudo o que Ele disser. Assim "combaterão" a pobreza material, sem "perderem o norte" e mostrarão a riqueza das relações e dos afetos. "Fazei tudo o que Ele vos disser" é a frase de Maria nas Bodas de Canaã para um serviço concreto: encher as talhas e levá-las ao chefe de mesa. Escreveu D. António Augusto de Oliveira Azevedo, Presidente da Comissão Episcopal das Vocações e Ministérios: «Desta forma o evangelho evidencia o valor do serviço humilde e dedicado na concretização do que Jesus manda. O serviço é o horizonte proposto a todo aquele que quer ser verdadeiro discípulo de Jesus, de modo específico a quem escuta e responde ao apelo: «Vem e segue-me!».

Votos de uma semana de escuta ativa da Palavra.