Será que queremos justificar o nosso sacerdócio?

Razões para Acreditar 27 março 2020  •  Tempo de Leitura: 5

É noite, domingo. Enquanto escrevo, chove como se a cidade, esvaziada pela pandemia, estivesse a regenerar-se. Hoje foi o primeiro dia em que todas as igrejas da nossa diocese (como muitas outras) não abriram, apesar de ser domingo. Eu chegaria ao ponto de dizer que a unanimidade das pessoas crentes a entendeu com responsabilidade. Talvez alguns que fizeram da sua fé um costume atávico, não tanto.

 

Alguns padres ficaram muito nervosos e encheram-nos, através dos meios habituais, com os quais costumamos comunicar, com orações, pedidos de oração, e até com a possibilidade de acompanhar a missa por streaming, ou seja, ao vivo pela web, inclusive enviaram-nos um link, isto é, uma conexão, para poder ver o Santíssimo Sacramento exposto... e houve até quem desse um passeio pelas ruas com a Santa Custódia como se fosse Corpus Christi (e eu me pergunto: “com que permissão?”, porque, para muitas coisas, somos muito rigorosos e para outras nem tanto.)

 

Todo este bombardeio levanta muitas questões para mim, não parece que tratamos os crentes como se eles não soubessem orar e devessem depender do clero para fazê-lo? O que fizemos até agora, tê-los como espectadores?  Acha que tanta missa nos ecrãs mantém as pessoas passivas a assistir? Ou será que queremos justificar o nosso sacerdócio? Será que os serviços religiosos de televisões e rádios não são suficientes? Até agora eles foram. O que é mais importante, um tempo de oração ou lectio divina com a Palavra, ou observar uma missa num ecrã?

 

Recebi exemplos de jovens que se reuniram, em casa, para ler a Palavra e orar pelas necessidades mais urgentes. Conheço famílias com crianças que colocaram uma toalha de mesa branca, uma vela e uma Bíblia aberta e oraram juntas, ouvindo a Palavra de Deus. Outros trancaram-se no seu quarto e lendo "o Evangelho de todos os dias" mantiveram um silêncio repousante. Uma jovem disse-me que entrou na Internet e procurou pelas "leituras de hoje" e orou com elas e com a reflexão que trouxeram. Algumas famílias idosas, na hora da missa comunitária, começaram a rezar o rosário por todos aqueles que sofrem e por todos aqueles que ajudam a superar esta pandemia. Uma mulher disse-me: “procurei o silêncio e juntei-me àqueles que em alguma parte do mundo estavam em comunidade comemorando a Eucaristia”. Eles não precisavam de retransmissões. Além disso, sabemos que um ecrã nunca irá ajudá-los a levantarem-se, e é tão necessário! Todos os crentes são adultos e sabem como “tirar castanhas do fogo”, embora, muitas vezes, não os tratemos dessa maneira. A pessoa que acredita ora e sabe como fazê-lo.

 

Este tempo de graça também serve para que os sacerdotes e diáconos parem um pouco, reflitam e reconstruam a sua vida pastoral, rezem com mais intensidade, desacelerem tanto ativismo e leiam o livro que deixaram no meio do caminho na prateleira.

 

Vamos celebrar a Eucaristia em solidão pacífica e deserta, refletir e curar as feridas que estamos a deixar abertas. Em suma, vamos buscar o essencial do nosso ministério.

 

Parece que alguns de nós têm medo do vazio, se não somos vistos ou ouvidos, e esquecemos que uma das nossas tarefas é a oração pelos outros. Teremos de medir o quanto há em toda esta exibição nas redes sociais, um desejo insuperável de protagonismo. A Santa Missa é muito grande para ser vivida em comunidade, as que são emitidas são apenas para pessoas doentes e deficientes.

 

“Vamos parar de bombardear as pessoas com todos os tipos de reflexões, gravuras, vídeos e orações, que parecem mais comércio do que pessoas de Deus.”

 

Nisto também somos consumistas, aquilo que criticamos tanto e também favorecemos. Acho que todo este desenrolar responde a este tipo de pastoral com pouco pensamento à luz do Evangelho. Há tantas mulheres e homens crentes no mundo, que celebram a Eucaristia de longe a longe quando o missionário passa (às vezes esperando meses) e vive a sua fé com grande integridade! Mas somos dos ricos, também consumistas religiosos, com o direito de não perder a missa, mesmo que seja televisionada.

 

Vamos jejuar também a partir de sons e imagens nesta quaresma muito real e desértica. Vamos olhar para dentro e fazer silêncio, pois é aí, onde Deus fala connosco. Vamos viver a intensidade da pobreza, como eles, porque, no final, uma grande corrente de mensagens é como a chuva que cai que não absorve a terra nem dá frutos.

 

Coragem e vá em frente!

 

+ Antonio Gómez Cantero, Obispo de Teruel y Albarracín

 

[Tradução @Imissio, Emanuel António Dias] 

Nasceu em 1994. Mestre em Psicologia da Educação e do Desenvolvimento Humano. Psicólogo no Gabinete de Atendimento e Apoio ao Estudante e Coordenador da Pastoral Universitária da Escola Superior de Saúde de Santa Maria. Autor da página ©️Pray to Love, onde desbrava um caminho de encontro consigo mesmo, com o outro e com Deus.

 

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