UMA ALIANÇA ENTRE GERAÇÕES
A passagem de turno entre gerações implicou sempre inevitáveis transformações. O ser humano é homo viator, isto é, alguém que faz do caminho — e não só da estalagem — o lugar para a construção de si. Entre avós e netos, pais e filhos, entre antecessores e descendentes houve sempre ruturas, inovações, alteração de linguagem e costumes, mudanças mais suaves ou bruscas, fantasmas, mal-entendidos e ressentimentos. Na abertura do XV Sínodo dos Bispos que decorre este mês de outubro em Roma, e que toma como tema “Os jovens, a fé e o discernimento vocacional”, o Papa Francisco recordou uma frase que se pode ler num vaso de barro da antiga Babilónia, datado de 3000 a.C., em que se acusa a juventude de ser imoral e incapaz de proteger a tradição do povo. Ao citar esse documento antigo, o Papa sublinhou com humor que se há lugar onde preconceitos e estereótipos se desenvolvem com proverbial facilidade é exatamente na relação entre gerações. Os adultos apressam-se a subestimar os jovens como inexperientes e irrefletidos, considerando-se a si mesmos como exclusivos depositários da sabedoria. Os jovens olham para os adultos como ultrapassados, negligenciando a sua palavra e exemplo como coisa do passado. A questão que a Igreja se coloca é, no fundo, uma das questões vitais para o futuro das nossas sociedades: como é que as gerações, em vez de se ignorarem e ostracizarem, se poderão antes colocar num processo de mútuo reconhecimento e escuta? Como contribuiremos todos para relançar uma urgente aliança entre as gerações, num tempo onde a fragilização dos laços parece predominar?
Nos discursos que o Papa Francisco tem dirigido aos participantes do sínodo (onde há também uma representação de jovens a acompanhar os trabalhos), têm emergido alguns sublinhados. Destacaria três:
1) Aos jovens, o Papa previne contra o vírus da autossuficiência. Rejeitar o que foi maturado transmitido ao longo dos séculos conduz a um perigoso empobrecimento da nossa humanidade. Por isso, citou um delicioso provérbio egípcio que diz: “Se não houver um idoso na tua casa, procura-o, porque ser-te-á de proveito.” É verdade que os jovens têm de fazer o seu próprio caminho. Mas esse faz-se colocando o coração no grande horizonte e não apenas no pequeno espelho ou no pequeno ecrã do telemóvel.
2) Na linha do que escreveu o profeta Joel, os jovens são chamados a maturar visões, mas os anciãos são também chamados a ter sonhos e não só a atuar no defensivo campo da autopreservação, que “acaba por impor como importante o que é secundário, e como secundário o que é importante”. O poeta Hölderlin, citado por Francisco na primeira homilia, exorta a que “o homem mantenha o que, em criança, prometeu”. É preciso que os adultos testemunhem aos jovens que a sua irrequietude é um dom; que a sua sede de verdade e de beleza representam um tesouro; e que vale a pena acreditar. Os adultos têm de olhar, olhos nos olhos, o rosto dos jovens e ver as complexas situações em que hoje se encontram (situações de precariedade laboral, falta de oportunidades, solidão, incerteza, violência...). Os jovens pedem-nos a nós adultos que não os deixemos sozinhos e que invistamos uma maior generosidade a cuidar de um presente para todos.
3) Entre as gerações há um défice de escuta que tem de ser superado. As respostas que o futuro nos pede não são certamente as pré-confecionadas. Só a escuta humilde e corajosa permite a cada um abrir-se à novidade daquilo que nos sugere o Espírito Santo, segundo modalidades e direções muitas vezes imprevisíveis. Mas são essas que nos ensinarão a reencontrar as razões de viver e de esperar.
[©SEMANÁRIO#2398]