O vento só leva o que quiseres deixar ir!

Crónicas 28 junho 2017  •  Tempo de Leitura: 2

Rodeados pela loucura dos dias, não nos sobram muitos espaços em branco. Há horas para tudo e tempos destinados a cada tarefa. Nos momentos que sobram, vemo-nos atordoados por uma sensação que se repete mais vezes do que seria de esperar: “se não tenho nada para fazer é porque me esqueci de qualquer coisa”. Não podemos conceber as entrelinhas. Preenchemos o tempo e o espaço com o que nos parece importante. Agir. Fazer. Começar. Levar. Repetir. Recomeçar. Todos os dias começamos de novo sem fazer nada de diferente. Somos episódios repetidos de uma série que nunca acaba e que, há muito, nos obriga a perder o fio à meada. Somos peças que parecem encaixar-se demasiadas vezes no mesmíssimo lugar.

 

Carregados de bagagens que um dia fizeram falta, vamos vivendo. Esperamos não dar nas vistas mas, ao mesmo tempo, desejamos ser vistos. Esperamos que o sinal fique verde. Que não passem carros. Que o corrupio amanse. Que haja permissão para avançar. Não avançamos. Ficamos quietos de malas às costas, feridas arrumadas, mágoas guardadas no bolso das calças, cheios de silêncios que podiam, perfeitamente, ter sido gritos. Desses que desconcertam e desinstalam os rumos do mundo. Os pés caminham mas nós ainda ficámos lá atrás. Malas às costas, cicatrizes aprumadas, histórias por resolver, conversas por acabar, assuntos por conversar, palavras em fila de espera.

 

Carentes de tempo para pensar, vamos fazendo caminho. Faltam-nos os que se afastaram, os que ficaram pelo caminho, os que ficaram sem caminho e os que já não podemos nem sabemos ver. Falta-nos a coragem quase feroz para deixar voar o que ainda nos pesa muito. Há pesos que são para trazer. Outros são para deixar ir. Mas como é que se sabe? Como é que se descobre? Como é que se atravessa para o lado de lá da estrada sem a sabedoria que é precisa para saber perder? Para ousar perder? Para querer perder?

 

Não sei. Perdi-me.

 

Não sabemos. Perdemo-nos. E o problema é que o vento só leva o que quisermos deixar ir.  O que estivermos dispostos a perder.

Marta Arrais

Cronista

Nasceu em 1986. Possui mestrado em ensino de Inglês e Espanhol (FCSH-UNL). É professora. Faz diversas atividades de cariz voluntário com as Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus e com os Irmãos de S. João de Deus (em Portugal, Espanha e, mais recentemente, em Moçambique)

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