Corações desarmados, por Tolentino Mendonça
Uma das surpresas que os Evangelhos reservam aos seus leitores está no seguinte paradoxo: são os pecadores aqueles que melhor sabem escutar a mensagem de Jesus; que o procuram com a maior sede de o encontrar; que acreditam no seu poder de curar a vida e de a voltar a erguer, de exorcizar os demónios que nos oprimem, de vir ao encontro da nossa miséria e de reconfigurá-la com o poder da graça, de perdoar os nossos pecados.
São os desqualificados sociais, os mais distantes do templo e da lei, aqueles que mais vezes comem e bebem com Jesus, e que com maior radicalidade aderem à sua propostas, efetuando verdadeiras inversões existenciais.
Os justos daquele tempo, os fariseus e os escribas, olhavam para Jesus com curiosidade, mas sempre com suspeita, sempre com cálculos ambivalentes, medindo sempre aquilo que Jesus fazia com o metro do seu próprio códice normativo, sempre a julgá-lo.
Os pecadores, ao contrário, expunham-se a Jesus de modo desarmado, confiando que nele abrir-se-ia uma brecha através da qual Deus agiria, transformando o impossível da história no possível do Reino.
Por isso, não é o pecado que nos afasta de Deus. Nem é a nossa fragilidade a separar-nos dele. Aquilo que cimenta uma dramática distância é, sobretudo, a autossuficiência. Quando Pedro se chega a Jesus e diz «Senhor, afasta-te de mim, porque sou um pecador», Jesus responde: «Pedro, de agora em diante serás pescador de homens».