A arte de consolar, por Tolentino Mendonça
O regime tecnológico hoje em vigor confunde-nos ainda mais enquanto nos transmite a ilusão de que não lugar para o erro. A memória do computador mais recente embaraça-nos, ao confrontar-nos com a sequência dos nossos esquecimentos, lapsos, imprecisões.
Onde nós reconhecemos perdas e reduções de eficácia, contatamos na técnica atual exatamente o contrário: uma capacidade inumana de acumulação de dados, registos e pegadas que, muitos anos depois, permanecem intactos numa praia que o oceano não elimina. Os computadores não precisam de ser consolados, nós sim, e falar disso faz-nos bem.
O que é específico da consolação é tornar-nos próximos uns dos outros – e de nós próprios: isso é o suficiente, sem a pretensão de nada, simplesmente dando abrigo, com a nossa presença, à passagem das horas, ajudando assim a carregar o peso que ciclicamente faz desmoronar a vida.
Acompanhar a solidão dos outros e a nossa: “cum-solatio” significa também isto. Com efeito, damo-nos gradualmente conta, ao longo do caminho, que o programa existencial que devemos abraçar não é tanto ir contra as contingências que inevitavelmente nos assediam, mas vivermos juntos, aceitando a tarefa de construir uma humilde sabedoria integradora.
Esta coisa que chamamos vida exige-nos a força de não sucumbir, ao crepúsculo, só porque não vemos como poderá, na escuridão mais cerrada, irromper a aurora.
[D. José Tolentino Mendonça | In Avvenire]