Mesmo quando me esqueço, por Tolentino Mendonça
Às vezes, Senhor, é do profundo do meu esquecer que te grito. Sei que sou eu a distanciar-me, mesmo sem dar-me verdadeiramente conta; sou eu a deixar transcorrer as horas sem reconhecer a tua passagem; a deixar-me isolar, quase como uma ilha; a opor resistência à compreensão de até que ponto o tempo pode ser templo, uma tua morada.
Por isso, Senhor, mais que as palavras, mais que a minha presença provisória e frágil, mais que todas as minhas irrelevâncias, entrego-te hoje a oração do meu esquecer: este rolo de tecido longo e branco que eu, solitário, desenrolo diante de ti, este meu andar por diante às cegas no mundo, como se não te visse, estes meus ouvidos que se tornaram surdos à tua Palavra, este meu vazio preenchido apressadamente por tantos afazeres, estes meus progressos e involuções sem uma razão, estes meus confusos passos de criança que Tu, extremoso, apoias, porque sabes melhor que eu que, mesmo quando me disperso, quando por erro me ponho a correr para não sei onde, em não sei que fuga, mesmo quando eu me esqueço, estou a caminhar para ti.
[In Avvenire]