O pessimismo dos jovens, por Tolentino Mendonça
Mesmo se a sensação psicológica que transmite é a de um tempo congelado, como que suspenso, a verdade é que a pandemia não tem cessado de revolucionar os nossos hábitos. Basta acompanhar a mutação que introduziu nos domicílios. Passamos de um modelo em que a vida ativa se desenrolava praticamente toda em espaços externos, e a casa servia como retaguarda para a existência individual e familiar, a um outro em que a casa vê amplamente alargadas as suas funções. A casa tornou-se uma realidade total com o teletrabalho e a didática à distância. E impôs-se uma inédita organização social, certamente rica de potencialidades, mas com tantos riscos associados.
A primeira coisa a reconhecer é que ainda bem que essa reconfiguração do trabalho e da escola puderam rapidamente acontecer: sem isso, o impacto devastador da pandemia seria ainda maior. E esta experiência poderá servir talvez às nossas sociedades para repensar alguns dos seus dilemas, para os quais não víamos solução. Servirá, porventura, para equacionar melhor a relação entre os ritmos da vida profissional e a salvaguarda da vida pessoal, para evitar viagens inúteis e dispendiosas, horas insones gastas no tráfego congestionado das cidades, esperas inconclusivas. Servirá, quem sabe, por exemplo, para redimensionar os modelos de instrução, que em muitos aspetos estão superados, testando práticas pedagógicas inovadoras. Ou para garantir o direito e a oportunidade do estudo a quem habita longe dos grandes centros ou em contextos com constrangimentos.
O maior e mais dramático limite que a pandemia decretou foi à sociabilidade, sem a qual nós humanos não somos os mesmos
Porém, termos todos vivido esta transformação na primeira pessoa dá-nos também a exata perceção daquilo que se perde, e que é muito, e que é fundamental. O maior e mais dramático limite que a pandemia decretou foi à sociabilidade, sem a qual nós humanos não somos os mesmos. Trabalhar a partir do remoto, sem a interação do encontro presencial com os colegas, torna-se um obstáculo que, a prazo, dilui não só o sentido de pertença, mas enfraquece a troca de ideias e de estímulos. E do mesmo modo no campo educativo: para a experiência pedagógica as relações diretas são insubstituíveis.
Esta semana recebi de um colégio um conjunto de textos escritos por alunos dos 10º e 11º anos. Leram o meu livro “O Que É Amar Um País” e decidiram enviar-me as reflexões que fizeram. Tenho de dizer que me ofereceram uma coisa preciosa: a sua própria voz. Saber o que pensam os jovens e como verbalizam os seus sentimentos a propósito desta estação histórica é um dado que deveria ser mais considerado. Uma aluna escreveu o seguinte: “Senti-me muito sozinha nos primeiros meses da pandemia, quando ainda nem se pensava quando iríamos poder voltar a sair de casa. Esse sofrimento, por vezes, foi escondido mesmo dentro de casa.” Outra partilhou: “O contacto é algo que nos faz sentir vivos, um abraço, um beijo, um aperto de mão... e de súbito perdemos [isso].” Vários alunos insistiram nas “marcas profundas” que estão a ser deixadas. E há, entre eles, quem sublinhe que a comunidade se tem de redescobrir, “alterar hábitos”, “dialogar mais”, “apostar no futuro”. Mas preocupou-me o pessimismo manifestado pela maioria: “A situação atual não vai mudar significativamente a forma como a sociedade vê o planeta”; “do meu ponto de vista, esta crise só irá piorar tudo, e estou bastante seguro da minha resposta”; “continuará tudo na mesma, porque o ser humano é um ser que não aprende com os erros, e tudo o que der lucro vai continuar a ser feito”. O pessimismo dos mais novos é um poderoso SOS. Estaremos a escutá-lo?
[SEMANÁRIO#2531 - 30/4/21]