Conexão e comunhão, por Tolentino Mendonça
A metáfora da rede tornou-se a imagem do tempo. De uma forma ou de outra, a nossa existência transitou para o interno da rede. Passamos a viver conectados nesse mecanismo de comunicação global. Tornámo nos, em certa medida, uma parte dele. E, contudo, uma coisa é a conexão, outra bem diferente, bem mais rara, é a comunhão. Continua a ser uma ilusão pensar que a instantânea e ubíqua possibilidade de nos conectarmos é suficiente para satisfazer a necessidade profunda que todo o humano traz de se sentir acompanhado. Ou que o fluxo permanente de informação onde mergulhámos possa, mesmo que remotamente, constituir resposta àquelas perguntas de vida, amplas, criativas, dilacerantes, irrenunciáveis, que nos habitam a todos. Ora, se é verdade que não podemos renunciar à conexão, precisamos, porém, de desenvolver um pensamento crítico que nos torne também conscientes do seu impacto em nós. O instrumento modifica aquele que o usa - convém não esquecer. Sem nos darmos conta, há um redimensionamento da experiência do mundo e das expectativas face a ele; há uma compreensão alterada de nós próprios. Mesmo se parece que cada vez queremos mais, que o nosso desejo se empolga, que a construção do sujeito se potencia, o que efetivamente acontece é que nos contentamos sempre com menos. Não bastam os motores de busca para fazerem de nós buscadores sedentos de sentido. Como apontava, com lucidez intransigente, Erich Fromm, a euforia da liberdade assumida como ideologia esconde um medo da liberdade. As nossas sociedades supostamente livres, fundadas formalmente no indivíduo, podem tornar-se também grandes máquinas ao serviço da normalização do conformismo, levando-nos a confundir autonomia com automatismo. Seguramente, a era digital contribui largamente para o progresso da Humanidade, mas o formato de comunicação que dissemina levanta também problemas. Um é a banalização do discurso que partilhamos. Hoje podemos dizer que se ampliou exponencialmente o contacto, mas igualmente, e na mesma proporção, a superficialidade das relações. As exceções serão tantas, mas multiplicam-se diálogos que não podem ser considerados como tal, uma vez que reduzem ao mínimo o tempo real concedido à escuta, à hospitalidade do outro, à surpresa da descoberta, à lentidão das confidências, ao intercâmbio de coração a coração que sustenta o verdadeiro conhecimento. Por exemplo: por divertidos que possam ser os emoji ou os sticker, não deixam de ser adesivos rápidos que não resolvem as necessidades e as fraturas da comunicação. Por isso, no meio da ruidosa cacofonia dos dispositivos digitais ao nosso alcance, cresce o isolamento e a solidão.
Um outro elemento é o efeito bolha ("filter bubble", segundo a expressão cunhada por Eli Pariser). A rede rastreia o comportamento dos utentes e passa a oferecer-lhes informações sobre o que eles já procuram, excluindo-os daquelas que contrastam com os seus interesses. Cria-se assim um filtro, uma bolha. Do mesmo modo, os social media tendem a ligar pessoas com pontos de vista e convicções semelhantes. Quando isso acontece, o ecossistema da rede arrisca tornar-se uma espécie de caixa de ressonância mais ou menos tribal, onde se encontra ampliado e em espelho apenas o que se pretendia ouvir.
Ficam assim de fora do horizonte o imprevisto, o conflitual, o enigmático, o diverso ou o disruptivo, pois as toneladas de informação em avalanche são controladas pelo fantasma do mesmo que vigia para garantir a linearidade da vida. A riqueza do mundo, porém - a começar por aquela do nosso mundo interior -, está na porção de desconhecido com a qual nos ousamos confrontar.
[Revista Expresso]