Aleluia, por Tolentino Mendonça
A palavra aleluia reúne dois termos hebraicos: hallelū, que significa “louvai” e Yāh, a abreviação do nome divino Jahvé. Trata-se, por isso, de uma doxologia, de uma fórmula de louvor. “Louvai a Deus”, “enchei o espaço de glórias”, “entoai os seus louvores”, podia-se traduzir assim esta que é uma das reverberações emblemáticas da Páscoa cristã. Recordo que quando o cardeal Jean-Marie Lustiger, que tinha origens judaicas e foi arcebispo de Paris, entrou como membro da Academia Francesa, um jornalista lhe perguntou qual era para ele a palavra mais bela em francês. E ele respondeu sem hesitar: “A palavra aleluia.” Também em português essa é a palavra mais bela. Porque desfataliza a história, desmente a irreversibilidade da morte, rompe uma brecha, assegura uma visão nova da realidade e uma forma inédita de a habitar. Na palavra aleluia está impressa a maior das pretensões cristãs. Acreditar que aquele Jesus de Nazaré ressuscitou e que essa notícia, que nos espanta absolutamente, revela o absoluto de Deus no nosso destino.
É verdade que repetimos a palavra aleluia no provisório. Existem ainda as lágrimas e o luto, a ameaça e o cerco, a desolação e o extremo do sofrimento. O nosso corpo, chamado a testemunhar a emergência do definitivo, não deixa de ser vulnerável e ferido. O nosso amor, a nossa fé, a nossa esperança continuam precários, inacabados ou imperfeitos. Mas na insurrecta notícia da ressurreição somos levantados do chão, alçados por essa força que o próprio Cristo nos dá.
A ressurreição de Jesus é a reviravolta operada por Deus. Com essa ação, a história ultrapassa o que parecia o seu estreito horizonte irremovível. De facto, três dias depois, quando já não há mais esperança alguma, quando habitualmente se torna irreversível o processo de decomposição, Maria Madalena vai ao sepulcro e descobre que ele está vazio. Vem depressa, doida de alegria, dizer aos discípulos e eles, por sua vez, desatam a correr para o sepulcro. Este é o dia em que as personagens bíblicas estão imparáveis. Porque o inacreditável aconteceu. O que os cristãos celebram na Páscoa é uma verdade inacreditável. É a insurreição, o levantamento, o recontar da história como não a tínhamos pensado, pois aquele Jesus que desceu mais fundo do que se pode descer, aquele que foi até à aniquilação para abraçar as nossas feridas, ressuscitou. E quando ele se levanta, também a nossa vida se ergue de pé.
Na palavra aleluia está impressa a maior das pretensões cristãs. Acreditar que Jesus de Nazaré ressuscitou e que essa notícia revela o absoluto de Deus no nosso destino
Quando os discípulos rolaram a pedra para fechar o sepulcro onde colocaram Jesus era como se um ponto final tivesse sido colocado naquela (e na nossa) história. Tem de ser, temos de nos conformar, aceitar esta redução a cinzas, compreender que é assim, que não há mais nada a fazer e que, no fundo, a morte ganha sempre. Olhamos para o mundo e para nós próprios e sabemos que, tarde ou cedo, a morte vence. Mas a inversão ocorreu. “Ó morte onde está a tua vitória?”, perguntamos agora. E tudo o que existe bate palmas, tudo o que respira louva. A vida que vimos tão ameaçada, tão retida pelos laços da morte, essa vida soltou-se. A vida é maior do que a morte, pois Deus é capaz de recriar e de reconstruir.
Há um copista medieval que introduziu, talvez por engano ou talvez num esforço de interpretação, uma mudança na conhecida antífona “ressuscitou como disse”. Ele escreveu: “ressuscitou conforme amou”. O mistério da sua Ressurreição é um acontecimento que somos chamados a tatear por dentro do amor. Amar é dizer ao outro: tu não morrerás. É isso que Jesus garante na sua Páscoa.